quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Raul Jungmann, um ministro prevaricador

Ministro Raul Jungmann. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Minha velha avó, que seria mais que centenária hoje, perguntou-me, quando eu era meio molecão ainda, se já tinha visto uma assombração. Nunca entendi exatamente, mas havia uma diferença entre fantasma, espírito e assombração, essa última, uma espécie de versão meio punk das anteriores. Respondi que não, nunca tinha visto. Ela se virou e arrematou: “Claro, você não acredita. Assombração não aparece para quem não acredita.”
A velha Laura cravou: “Assombração sabe para quem aparece! ”
Lembrei de minha avó ao ver que o Ministro da Defesa, acreditando em assombrações, prevaricou e não puniu o General Mourão com a severidade com quem um golpista declarado e desafiador deveria ser punido, imediatamente após sua palestra, feita a maçons, em Brasília, de onde deveria ter saído preso.
O Ministro da Defesa foi fraco e estimulou todas as fantasias golpistas, colocando para dançar as assombrações na sala de estar da Casa Grande que é o Governo ilegítimo do qual faz parte.
Pouco importa que esteja o Presidente da República, ainda que seja esse um, processado e sob ataque da Procuradoria Geral da República, pouco importa. Importa que ele, como Ministro que coordena e administra as forças armadas, não poderia jamais ter admitido que um seu comandado ameaçasse um golpe, caso a sociedade não se comporte como ele gostaria.
Se a sociedade que ele colocou contra a parede eleger Lula, não se fará um pretexto pedalado para tirar Lula do poder, mas uma estupidez a que chamou de intervenção militar, com um adjetivo que faria até minha velha avó corar de vergonha, constitucional, algo que inexiste na Constituição Federal, feito as assombrações de minha avó. Só um ignorante de uma cepa superior e um general não pode ser ignorante, por mais que passe as tardes no Alto Comando lendo livros de auto-ajuda.
Nossa Lei de Segurança Nacional, Lei 7.170/83, aliás, toda ela inspirada pelos Chefes Militares traz em seu art. 17 que é crime, apenado com três a quinze anos de reclusão, tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
General que não conhece de cor e salteada a Lei de Segurança Nacional é, no máximo, general da banda, havendo, pois, mais do que motivos para se ter certeza de que o General Mourão sabia muitíssimo bem do crime doloso que praticava, no mínimo porque não falou apenas em nome pessoal; se assim fosse, teria feito a ressalva heroica de apenas ele pensar assim. Ele falou em nome de um grupo, cuja extensão se desconhece.
Houve o cometimento de um crime doloso, praticado por um agente público, que ostenta a mais alta patente da Força mais numerosa e, portanto, mais capacitada a qualquer enfrentamento, sendo, ademais, um dos Chefes Militares brasileiros, que deu um ultimato ao próprio Governo, ao qual é subordinado, de, mais uma vez, metralhar a Constituição Federal, através de uma quartelada, a que chamou de intervenção militar.
A Constituição Federal especifica, de forma absolutamente restritiva, as hipóteses em que o que chama Estado de Defesa pode ser declarado, sempre pelo Presidente da República e sempre, sob autorização do Congresso Nacional, exatamente as duas entidades que o General quer neutralizar com sua intervenção.
Ou seja, o crime estava praticado, o elemento subjetivo – dolo – era induvidoso, era certa sua autoria, testemunhas houve em dezenas, sua palestra deve ter sido gravada; o Chefe Militar, o Ministro da Defesa, o que deveria agir, viu assombração e se acovardou, entregou os fatos para o ambiente fechado da caserna.
Esqueceu-se o Ministro que a infâmia não foi dita dentro dos muros da caserna, mas fora dela, para nos assustar, para nos colocar em pânico, para que revivêssemos todas as atrocidades que a ditadura militar cometeu e que ficaram sem nenhuma punição.
Ao não o punir, deixou de praticar ato de ofício, que inegavelmente era de sua atribuição, para satisfazer a um sentimento pessoal, sua vileza, sua covardia, seu temor reverencial. O Código Penal dá nome a esse boi e o chama de prevaricação em seu art. 319, com direito a algumas agravantes genéricas.
A Presidenta eleita, tirada por um golpe já mundialmente reconhecido, foi vítima de torturas em uma prisão militar. Por mais distante que possa ter sido desse Ministro, certamente, ele teve a oportunidade de conhece-la e de mais uma vez desrespeitá-la, como presidenta que foi e como cidadã brasileira que é.
Se o houvesse imediatamente punido, transmitiria aos militares insatisfeitos (todos estamos insatisfeitos!) que não se toleraria nenhuma ação, nenhuma conspiração, nenhuma trama de quartéis que viesse a colocar em risco nossa frágil democracia.
Seria uma satisfação devida aos familiares dos mortos, dos desaparecidos, dos torturados, dos perseguidos, dos que tiveram arruinadas suas vidas econômicas, dos que foram desmoralizados injustamente, dos que foram perseguidos, dos que foram censurados, dos que foram calados, dos meninos que foram trancados feito animais; a eles teria falado o Ministro se punisse imediatamente, sem pretensões a punições exemplares, garantindo ao general amplo direito de defesa, devido processo legal e contraditório, abrindo-lhe o direito à presunção de inocência.
Ao General Mourão o faria lembrar-se deles, de Vladimir Herzog a Manoel Fiel Filho, de Stuart Angel a Alexandre Vanuchi Leme, dos exilados, de Brizola, de Arraes, de Betinho. O Ministro, ao punir o General, recolocaria cada uma das vítimas do regime militar novamente na sala de estar do Alto Comando.
Se houvessem punido o General, capitães ficariam cientes e que, sim, existe um limite à estupidez, um limite ao incivilizado, um limite ao golpismo vulgar.
Porém, nesse Governo de fracos, nesse Governo de omissos, cuja preocupação é o desfazimento, a desconstituição de direitos históricos, nesse governo que gerou uma reforma trabalhista que sequer a gravidez foi respeitada, punir o General Golpista seria algo acima de suas forças. Bem a seu estilo, resolveu contemporizar, provavelmente, haverão de conceder uma licença ou férias para que o General Mourão possa esfriar sua cabeça, antes de resolver dar um golpe, com seus amigos, no Brasil.
Diferentemente das assombrações de minha avó Laura, esses zumbis despertaram de suas tumbas e começam a andar pelas ruas, porque existem aqueles que lhes dão vozes, microfones, plateias. Esses zumbis sugam o sangue democrático, já bem ralo e somente vão se deter se encontrarem alguém que lhes imponha limites, o que não foi o caso desse Ministro da Defesa, Raul Jungmann, que, de sua feita, terá gravado nesse episódio seu nome na História: covarde. 
Covarde e Prevaricador.
Roberto Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway.

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