quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A Guerra do Pacífico no futebol


A Guerra do Pacífico no futebol

por Ricardo Cavalcanti-Schiel

Em 1879, quase uma década depois de terminada a Guerra do Paraguai, que opôs Brasil, Argentina e Uruguai a este país, e exército do Chile invade a cidade boliviana de Antofagasta, na costa do Pacífico, sob pretextos espúrios, mas com o objetivo de se apoderar das ricas jazidas de salitre e cobre da região do deserto de Atacama e seu litoral.

Ao cabo de 4 anos, a depauperada e frágil Bolívia perdia todo o seu litoral numa guerra fratricida, mesmo que contasse com a aliança militar do Peru, seu constante aliado e assemelhado cultural.
O que se seguiu foi a ascensão de uma brutal oligarquia chilena ― das mais obtusas e arrogantes do continente―, engordada com os dividendos do comércio internacional de produtos minerais, obtendo, em 1904, de seus congêneres oligárquicos bolivianos, um tratado internacional que cedeu definitivamente o território conquistado ao Chile, e selou o destino e a inviabilidade geopolítica da Bolívia.

Desde então, Bolívia e Chile jamais conseguiram manter relações de amizade, apenas de convivência tolerada e tensa. O Peru reconquistaria, por meio de plebiscito popular, a cidade de Tacna, que havia sido tomada pelos chilenos, mas, ainda assim, em termos simbólicos, as relações entre os dois países estariam eternamente abaladas.

Bolivianos e peruanos consideram o Chile uma sociedade predadora, mesquinha, não confiável. Esse quadro apenas deu sinal de se alterar durante o governo socialista de Allende, no Chile, em que começou a se insinuar uma autocrítica chilena e uma mudança de atitude frente aos seus vizinhos do norte. Com a ditadura de Pinochet, isso não só veio por água abaixo como as relações se tornaram progressivamente mais tensas, até as disputas diplomáticas nos tribunais internacionais que hoje ocorrem contrapondo Bolívia e Peru ao Chile.

Os resultados das disputas classificatórias para a Copa da Rússia na América do Sul acabam de reviver velhas antipatias, e com um gosto especial de vingança contra o arquiantipático Chile.

Em 6 de setembro do ano passado, a Bolívia empatou com o Chile em 0 x 0, numa “guerra” no Estádio Nacional de Santiago (aquele que havia servido de campo de concentração durante o golpe de Pinochet, e onde o compositor Victor Jara foi morto, entre inúmeros outros militantes socialistas).

Nesse dia, a torcida chilena hostilizou de forma tão agressiva e racista o time da Bolívia que a FIFA impôs à Federação Chilena de Futebol uma multa de 66 mil dólares e a perda do mando de campo na partida seguinte contra a Venezuela.

Não era a primeira vez que isso acontecia, nem era a primeira vez que acontecia contra uma equipe boliviana no Chile. Com sete punições da FIFA por causa do comportamento da torcida, o Chile ocupa o primeiro lugar do pior comportamento esportivo do mundo no futebol.

No entanto, após essa partida, como uma espécie de ato de vingança, a inconformada e arrogante Federação Chilena entrou com um recurso contra a escalação indevida, por parte da Bolívia, do paraguaio naturalizado boliviano Nelson Cabrera.

O Chile acabou ganhando os 3 pontos do jogo, ao invés de 1 só. No entanto, o mesmo Nelson Cabrera havia jogado na vitória da Bolívia sobre o Peru, e ainda que o Peru não tenha recorrido ao tribunal esportivo sul-americano, acabou ganhando os mesmos 3 pontos que o Chile, revertendo a derrota contra a Bolívia.

Se não fosse por isso, o Peru teria ficado em sétimo lugar nas classificatórias e teria sido eliminado sem chance de repescagem, enquanto quem estaria indo para a repescagem na Nova Zelândia seria... o Chile, hoje completamente eliminado!

Comentando os resultados hoje no Twitter, o “paraguaio” Nelson Cabrera notou: “Deus sabe o que faz e seus tempos são perfeitos”.

Para quem quiser saber mais sobre o projeto nacional da antiga oligarquia boliviana:

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