domingo, 3 de dezembro de 2017

Romário protegeu a Globo na CPI e ganhou espaço na emissora: isso é propina.


Por Joaquim de Carvalho

Já virou um mantra da hipocrisia a nota que William Bonner lê ao final de cada nova revelação sobre propina paga pela Globo para ter os direitos de transmissão da Copa do Mundo: “o Grupo Globo afirma veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina.”

A nota tem o mesmo valor que a declaração que Pablo Escobar dava quando, confrontado com acusação de tráfico, negava e dizia que era empresário. A Globo sempre pagou propina ou esteve envolvida em irregularidades para obtenção de contratos.
Um ex-auditor da empresa, Roméro C. Machado, escreveu um livro, “Afundação Roberto Marinho”, para descrever o que ele chama de zona, desorganização, uma empresa que desenvolveu a cultura da sonegação.

A Globo incentivava a criação de empresas de fachada por funcionários com altos salários —para que recebessem mais, sem pagar imposto, e ajudando a empresa a aumentar suas despesas para diminuir a tributação.

Também para pagar o que não poderia ser contabilizado, como comissão (propina) para obter contratos, exatamente como no caso da Fifa.

Uma das ações que Roméro auditou envolve a Petrobras. Segundo ele, a Fundação Roberto Marinho obteve ilicitamente verba da estatal, “envolvendo comissão paga a dois conhecidos membros do mundo dos escândalos: Romeu Onaga e Alan Barbosa.”

O auditor conta que, para abafar o caso, foi sozinho à Petrobras, “usando todos os meios de que dispunha e de diversos conhecimentos, chegando até o Sr. Duque Estrada (diretor) e ‘adjunto’. E, dentro do sigilo que se fazia necessário para o momento, foi-me garantido que o próprio presidente da Petrobras (e vice-presidente da Fundação Roberto Marinho), sr. Hélio Beltrão, iria abafar o caso, evitando que o nome da Fundação viesse a público no escândalo”.

Hélio Beltrão é um caso que demonstra que, na cultura da Globo, favores podem ser retribuídos por mais de uma geração. Maria Beltrão, apresentadora do Estúdio I da Globonews, é filha de Beltrão.

O autor Romério Machado publicou seu livro em 1988, com a promessa de que publicaria mais dois sobre o a Globo e a Fundação. Mas a trilogia não terminou, e até onde se sabe ele não foi processado, embora o primeiro volume tenha narrações altamente comprometedoras.

Romero diz que executivos da Globo permaneciam em seus postos ou eram protegidos em razão da vulnerabilidade dos donos da emissora.

“Fazer auditoria, na Globo, e não pegar ladrão era quase impossível. E, às vezes, eu me perguntava: Para que tanta técnica? Para que tanto estudo tributário? Para que refinado Management, Business and Administration, se na Globo a coisa era policialesca e rastaquera? Era como pescar num barril”, diz ele, que foi auditor fiscal antes de entrar na emissora.

Ele narra que ouviu do diretor do Departamento de Educação da Fundação Roberto Marinho, Calazans Fernandes, uma história cabeluda sobre a permanência do José Carlos Magaldi na secretaria-geral da Fundação, o homem que efetivamente tocava a entidade.

“Uma das formas que o Magaldi encontrou de subjugar o Dr. Roberto é insinuando sempre que ele é homossexual, devasso, e que um fato obscuro, envolvendo um dos filhos do Dr. Roberto, que atirou num rapaz, amante do pai, foi resolvido e abafado por ele, Magaldi. O Dr. Roberto, com medo, permite ao Magaldi e à sua turma, todo tipo de bandalheira aqui na fundação”, escreveu.

Sob administração de Magaldi, foi editado um livro, com 3.500 exemplares, com quadros e imagens “altamente libidinosas”, de Sérgio Murad, o Beto Carrero, o do parque. Quando Roberto Marinho soube, mandou destruir, e Magaldi, naturalmente, obedeceu, mas, segundo Calazans contou a Romero, o objetivo não era mesmo publicar o livro, mas pressionar Roberto Marinho

“A grande intenção dele não era editar o tal livro. Era, antes de tudo, que o Dr. Roberto soubesse da edição e entrasse em pânico, com medo que a igreja viesse a saber, ou que este livro fosse público envolvendo o nome da Fundação.”

Paginas do livro proibido, “Dez casos de amor”, são publicadas na obra do auditor Roméro Machado, que lhe foram confiadas para que fizesse auditoria e constatasse o mau uso do dinheiro pela Fundação — foi dinheiro jogado fora, mas Magaldi continuou firme no posto.

No escândalo da Fifa, quase 30 anos depois, emerge a figura de Marcelo Campos Pinto, o diretor que negociava direitos de transmissão do futebol. Campos Pinto tinha uma empresa de fachada que funcionava no mesmo endereço da Globo, na rua Jardim Botânico, Rio de Janeiro, e procuração para gastar como quisesse até 4 milhões de reais.

É a pessoa citada como interlocutora da Globo para as transações de propina. Ele foi afastado e até agora não deu entrevista, mas continua influente na emissora. Ou, o que é mais provável, a influência está acima dele.

Um caso que passou despercebido foi a participação do senador Romário, ex-jogador de futebol, campeão do mundo em 1994, no programa Bem, Amigos, da Sportv, da Globo, no final de setembro.

O programa, apresentado por Galvão Bueno, fugiu completamente de seu espírito quando Romário anunciou que é candidato a governador do Rio de Janeiro. O ex-árbitro de futebol Arnaldo César Coelho, também dono de uma retransmissora da Globo, a de Resende, no sul do Rio, deu corda assunto e perguntou se o partido dele tem candidato a presidente. “Tem. É o Álvaro Dias”, afirma.

O Partido de Romário, Podemos, não tem relevância nem para ser assunto de programa político. Por que estaria num programa de esportes? A resposta está ligada ao que disse um deputado que participou da CPMI sobre o futebol.

“Eu quis convocar o Marcelo Campos Pinto, mas houve uma confusão, o requerimento não foi aprovado e nem houve relatório”, disse o Major Olímpio à TV Record, numa reportagem sobre o escândalo da Fifa. A CPMI presidida por Romário inviabilizou a convocação do executivo da Globo, chave no esquema de corrupção da Fifa. Veja o requerimento do deputado ao final.

A entrevista de Romário ao programa de Galvão Bueno, para anunciar sua candidatura a governador, pode até ser considerada uma afronta à lei eleitoral e não faz sentido exceto se olhá-la como parte de um acerto para poupar o ex-diretor da Globo na CPMI.

É assim que a Globo opera.

Miriam Dutra passou quase 25 anos na Europa recebendo salário da Globo e não trabalhando na maior parte do tempo apenas porque a distância interessava ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Mirim tem um filho cuja paternidade era atribuída a Fernando Henrique Cardoso.

Miriam ficou na Europa, situação que definiu como “exílio”e me disse, em entrevista, que, durante esse tempo, a Globo teve empréstimos do BNDES e outras vantagens na política de comunicação do governo. Não apenas no governo, mas também no Congresso Nacional.

O vice-presidente de relações institucionais da emissora na década de 90, Evandro Guimarães, chamado em Brasília senador da Globo, chegou a vetar um deputado escolhido pelo PMDB para presidir a Comissão de Comunicação da Câmara.

Era Carlos Apolinário, evangélico, que a Globo não queria na comissão que define as concessões de radiodifusão por entender que havia vínculo entre ele o bispo Edir Macedo, já então empresário emergente no ramos das comunicações, o único que chegou a ameaçar efetivamente o grupo da família Marinho.

A voz de William Bonner pode ser usada à exaustão para negar as acusações contra o grupo Globo, mas as atitudes da emissora contrariam o discurso. É como ouvir uma uma pessoa dizer que a terra plana ou que o sol é que gira em torno do planeta.


Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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