quinta-feira, 21 de abril de 2016

Estadão - O Estado de São Paulo / Família Mesquita - Irmandade do Caos

IRMANDADE DO CAOS

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https://umhistoriador.wordpress.com/

O Hum Historiador abre espaço para repercutir a carta aberta de Suzette Bloch, neta do historiador Marc Bloch, em resposta ao editorial do jornal O Estado de S. Paulo, de 14 de Junho de 2016, intitulado O lugar de Dilma na história.

CARTA ABERTA AO JORNAL ESTADÃO, EM RESPOSTA AO EDITORIAL DE 14 DE JUNHO DE 2016*

Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.

Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.

O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.

Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.

Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!

O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.

Mas deixo a palavra ao historiador Fernando Nicolazzi, integrante do grupo de Historiadores pela democracia, para quem solicitei escrever este direito de resposta com outras vozes.


O convite feito por Suzette Bloch para juntar minhas palavras às suas, no ato solidário e indispensável de combater a impostura de um jornal comprometido, em cada linha de seus editoriais, com a defesa de um golpe de Estado em curso, não poderia ser recusado. Este mesmo jornal, que há alguns meses disse um “basta!” à democracia, ecoando o gesto autoritário cometido pelo Correio da Manhã em 1964, agora direciona seus impropérios ao grupo de historiadores e historiadoras que atuam em defesa dos princípios democráticos de nossa sociedade. Faço parte deste grupo e estive na audiência realizada com a presidenta eleita Dilma Rousseff no último dia 7 de junho.

O editorial de 14 de junho, que pretende definir o “lugar de Dilma na história”, faz menção a palavras escritas por Marc Bloch, desvinculando-as irresponsavelmente daquele que as escreveu. Nesse sentido, instrumentaliza politicamente o nome do historiador francês, autor de uma apologia da história elaborada no momento mesmo em que atuava na resistência contra o fascismo e em defesa das liberdades democráticas. Suzette Bloch, em justificável indignação, já apontou acima o desrespeito ético e a desonestidade intelectual que caracterizam este texto. Quanto a isso não cabem aqui outras palavras.

Porém, é preciso fazer frente também à outra dimensão contida naquele editorial: sua falaciosa representação dos historiadores e historiadoras que assinaram o manifesto, definidos ali como intelectuais “a serviço de partidos políticos”, comprometidos com a elaboração de um “pensamento único”, “bajuladores do poder”. O editorial traz ainda as marcas da sua baixeza moral ao sugerir, sem qualquer respaldo aceitável, que muitos dos participantes do encontro com a presidenta a “detestam”. Nada mais desonesto, nada mais mentiroso! Mas também nada mais compreensível!

Afinal, não é difícil compreender que, para setores da sociedade comprometidos com a manutenção da exclusão em suas diferentes formas, a defesa da democracia e da inclusão social cause incômodo e provoque atitudes como esta que, faltando com a verdade, apenas encontra amparo na ofensa e na intolerância. Além disso, é fácil compreender que essa seja a única forma de linguagem política assumida pelo jornal, que já definiu os opositores ao golpe de “matilha de petistas e agregados”: a propagação do seu ódio na busca de cumplicidade, como se ele fosse compartilhado por todas as pessoas. Basta acompanhar as inúmeras e diversas intervenções dos Historiadores pela democracia para constatar quão caluniador e distante dos fatos é o editorial.

O golpe parlamentar, jurídico e midiático em curso ataca direitos sociais, políticos e civis que são fundamentais para a existência da democracia. Tais direito foram conquistas feitas pela sociedade e não simples concessões governamentais. Lutar contra este golpe não significa defender um governo ou um partido político, mas sim defender a vigência de princípios básicos de cidadania, considerando que a justiça social deve ser um valor preponderante em nossa sociedade. Foram estas razões que me fazem participar do grupo, além da convicção íntima, enquanto historiador e enquanto cidadão, de que posicionar-se pela democracia se coloca hoje como um imperativo incontornável na nossa vida pública.

Em um texto que pretende dizer o que deve ser o exercício da historiografia, lemos apenas o uso inconsequente da história e a utilização deturpada da obra de um historiador que soube como poucos escrever sobre o próprio métier. Apesar da indignação causada, o editorial cumpriu seu papel esperado, sem nenhuma surpresa. E ao menos algo positivo ficará dessa situação: não será preciso aguardar historiadores futuros para colocar o Estadão em seu devido lugar na história, ou seja, ao lado dos golpistas do passado, os mesmos que em 2 de abril de 1964 comemoraram a vitória do “movimento democrático” que hoje conhecemos como ditadura civil-militar e que, além de vitimar milhares de pessoas, ampliou a desigualdade social no Brasil. Seus editorialistas continuam realizando com esmero essa função no presente.

*O texto foi enviado para o portal Estadão, como resposta ao editorial publicado em 14/06/2016. Não houve resposta por parte dos editores.


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http://cpdoc.fgv.br/

ESTADO DE S. PAULO, O 

Jornal paulista diário e matutino fundado em 4 de janeiro de 1875 com o nome de A Província de São Paulo por um grupo liderado por Américo Brasiliense de Almeida Melo e Manuel Ferraz de Campos Sales. Em 1885, ingressou em sua redação Júlio César Ferreira de Mesquita, que em pouco tempo passou a diretor. Desde então, a direção do jornal permaneceu nas mãos da família Mesquita. 

A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO 

Organizado por uma comissão nomeada pelo Congresso Republicano de Itu, realizado em 1874, o jornal A Província de São Paulo teve como principais articuladores Américo Brasiliense, atuando na cidade de São Paulo, e Campos Sales, atuando em Campinas. A sociedade comanditária constituída para a fundação do jornal incluiu, além dos já citados, os fazendeiros de café do Oeste Novo paulista Américo Brasílio de Campos, Antônio Carlos de Sales, Antônio Pompeu de Camargo, Bento Augusto de Almeida Bicudo, Cândido Vale, o major Diogo de Barros, Francisco de Sales, Francisco Glicério de Cerqueira Leite, Francisco Rangel Pestana, João Francisco de Paula Sousa, João Manuel de Almeida Barbosa, João Tibiriçá Piratininga, João Tobias de Aguiar e Castro, José Alves de Cerqueira César, José de Vasconcelos de Almeida Prado, José Pedroso de Morais Sales, Manuel Elpídio Pereira de Queirós, Martinho Prado Júnior e Rafael Pais de Barros. A redação da folha foi confiada a Francisco Rangel Pestana e Américo Brasílio de Campos. Embora fosse em sua grande maioria favorável à República, esse grupo mostrava-se cauteloso diante da possibilidade real da queda da monarquia. Por essa razão, em lugar de se apresentar como porta-voz do Partido Republicano Paulista (PRP), o novo jornal preferiu adotar uma linha política independente, intervindo de maneira autônoma “na discussão dos assuntos políticos e sociais”. 

Na verdade, A Província de São Paulo defendeu desde o início os interesses da elite agrária, combatendo a centralização política e administrativa imposta pelo Poder Moderador ao longo do Império. O jornal reivindicava igualmente eleições diretas para o Senado e para a presidência das províncias, a separação entre a Igreja e o Estado, a instituição do casamento e dos registros civis e a substituição progressiva do trabalho escravo pelo trabalho livre. 

Já a partir de seu segundo número, A Província de São Paulo introduziu em suas páginas uma “Seção livre” onde eram publicados comentários, discussões religiosas ou políticas e casos pessoais ou polêmicos. Duas ou três vezes por semana eram publicados editoriais de cunho anticlerical, antiescravagista e antimonárquico. Eram parcimoniosas as notícias referentes ao Natal, à Semana Santa, Finados e outras datas religiosas. A chegada da família imperial em visita a São Paulo foi noticiada de modo discreto, “embora respeitoso”. Entretanto, as crises financeiras atravessadas pelo jornal em seus primeiros anos de vida conduziram, em 1882, à dissolução da sociedade comanditária que o controlava. A Província de São Paulo passou então à propriedade exclusiva de Francisco Rangel Pestana, tornando-se ao mesmo tempo órgão oficial do PRP. Em outubro de 1884, Rangel Pestana vendeu metade do jornal à firma Alberto Sales e Cia., tornando a comprá-la em dezembro de 1885. Nova sociedade comanditária foi constituída, e nesse momento Júlio César Ferreira de Mesquita, genro de José Alves de Cerqueira César, ingressou no jornal como redator-gerente. A partir de 1888, Júlio Mesquita passaria a codiretor do jornal, ao lado de Rangel Pestana. 

Ao longo da década de 1880, A Província de São Paulo desenvolveu duas grandes campanhas, defendendo a abolição da escravatura e a proclamação da República. A campanha abolicionista, mais explicitamente assumida pelo jornal, foi acompanhada da campanha em prol do incremento da imigração de colonos europeus. O jornal aplaudiu entusiasticamente o aparecimento do livro O abolicionismo, de Joaquim Nabuco, na Inglaterra, e apoiou a libertação pacífica dos escravos nas províncias do Amazonas e do Ceará. O barão de Cotegipe era abertamente atacado, acusado de responsável pelo fato de os comícios abolicionistas no Rio de Janeiro “serem perturbados com traques e bombas, recurso de moleques, quando o problema caminha para uma solução pacífica”. As propostas de libertação dos escravos contra a prestação de serviços por um prazo determinado eram também condenadas. 

No final do mês de abril de 1888, o jornal suspendeu a publicação de matérias de cunho abolicionista. Dois dias após a promulgação da Lei Áurea, o editorial, várias matérias e poemas saudavam o fim da escravidão e convidavam o povo a participar de uma marcha comemorativa. 

 A campanha republicana, intensificada na fase final da campanha abolicionista, viu igualmente seus objetivos alcançados com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Pouco tempo depois, em 31 de dezembro, A Província de São Paulo passaria a chamar-se O Estado de S. Paulo. 

A PRIMEIRA REPÚBLICA 

Tanto Rangel Pestana como Júlio Mesquita ocuparam cargos no governo provisório de São Paulo, em concordância com o governo provisório da República chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca: Pestana, ao lado de Prudente de Morais e Joaquim de Sousa Mursa, fez parte da junta governativa que assumiu o poder entre 16 de novembro e 14 de dezembro de 1889, enquanto Júlio Mesquita tornou-se secretário-geral do governo paulista, mantendo-se no cargo até janeiro de 1890, já com Prudente de Morais como governador nomeado. Nesse momento, Júlio Mesquita retornou ao jornal, substituindo na direção do órgão Rangel Pestana, que foi chamado a integrar a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da nova Constituição e mudou-se para Petrópolis (RJ). Em 15 de setembro de 1890 Rangel Pestana foi eleito senador por São Paulo ao Congresso Nacional Constituinte a ser instalado em 15 de novembro. Entre os dias 26 de outubro e 7 de novembro de 1890, o jornal deixou de circular. Ao reaparecer, já apresentava Júlio Mesquita como diretor efetivo. 

Promulgada a Constituição em 24 de fevereiro de 1891 e eleito Deodoro presidente constitucional da República no dia 25, realizaram-se a seguir as eleições para as constituintes estaduais. Em São Paulo, Júlio Mesquita foi um dos eleitos. No Distrito Federal, o embate entre o Congresso Nacional e Deodoro não tardaria a se fazer sentir. Em decorrência, no dia 3 de novembro Deodoro dissolveu o Congresso e decretou o estado de sítio, recebendo o apoio de Américo Brasiliense, então presidente de São Paulo. Alguns deputados estaduais paulistas apresentaram uma moção de protesto, afirmando sua “dedicação à Constituição Federal violada”, mas outra moção, de solidariedade a Américo Brasiliense, foi aprovada pela Câmara estadual, levando à renúncia de oito deputados. Entre eles estava Júlio Mesquita. 

O Estado de S. Paulo aplaudiu a atuação do vice-presidente Floriano Peixoto, que, com a renúncia de Deodoro em 23 de novembro de 1891, assumiu a presidência da República. A partir da posse do novo presidente, o jornal desencadeou violenta campanha contra Américo Brasiliense, declarando no editorial de 24 de novembro que, “depois de conhecida a notícia do restabelecimento da legalidade, S. Exª só [tinha] um caminho a seguir: o de sua casa particular”. Editoriais subsequentes ressaltaram “o abjeto comportamento de Américo Brasiliense” e analisaram sua “personalidade dúbia”, dominada “pela funesta vaidade dos ignorantes”. Em 15 de dezembro seria a vez de Brasiliense renunciar. 

Em 1892, durante o governo de Floriano Peixoto (1891-1894), Júlio Mesquita foi eleito deputado federal e seguiu para o Rio de Janeiro, de onde retornaria em 1894. O Estado de S. Paulo manteve seu apoio ao governo, manifestando-se contrário à Revolta da Armada, deflagrada em 1893 pelo almirante Custódio José de Melo em oposição ao presidente da República. A insurreição encerrou-se com o asilo dos revoltosos em embarcações portuguesas fundeadas no Rio de Janeiro. Mesmo após a capitulação dos rebeldes, O Estado de S. Paulo criticou sua defesa, assumida por Rui Barbosa. 

A eleição de Prudente de Morais para a presidência da República em março de 1894 foi recebida com alegria pelo jornal, que, a despeito do apoio ao governo militar anterior, saudou no novo governo “o caráter civil que [a República] deveria ter tido desde o princípio”. Durante o novo período presidencial (1894-1898), O Estado de S. Paulo noticiou a eclosão da Guerra de Canudos, rebelião popular de cunho messiânico liderada por Antônio Conselheiro a partir de novembro de 1896 no sertão baiano. O movimento, denunciado como uma “conspiração monárquica ativíssima”, recebeu a cobertura jornalística de Euclides da Cunha e foi tema de uma série de artigos de Júlio Mesquita intitulados “Pela República!”. 

Durante o governo de Campos Sales (1898-1902), O Estado de S. Paulo demonstrou insatisfação com as instituições republicanas, pugnando por uma reforma constitucional. Mais uma vez em contradição com seu antigo florianismo, o jornal reconheceu contudo em Campos Sales o mérito de ter “afastado os militares do poder e desarticulado os vestígios aparentes de jacobinismo”. A corrente favorável à revisão constitucional, encampada pelo jornal, encontrava resistência em setores do Exército. Data desse período o debate entre Júlio Mesquita e o general Artur Oscar, que publicava seus escritos no jornal carioca O Dia. 

O Estado de S. Paulo colocou-se igualmente contra a “política dos governadores”, modalidade de ação política introduzida de forma plena em 1900 por Campos Sales, segundo a qual o governo federal concedia aos presidentes de estado completa autonomia local em troca do apoio das bancadas estaduais no Congresso. O Estado de S. Paulo representava na verdade a chamada dissidência do PRP, ou seja, a ala do partido mais descontente com a situação. A comissão de dissidência, integrada por José Alves de Cerqueira César, Alfredo Guedes e outros, publicou no jornal seu manifesto, reivindicando a reforma da Constituição, o saneamento do voto popular, o aperfeiçoamento da instrução pública e da reforma judiciária, a supressão dos impostos de trânsito e a fiscalização tanto da arrecadação como da aplicação da receita estadual. 

Como porta-voz dos dissidentes perrepistas, em 1905 O Estado de S. Paulo apoiou a candidatura de Afonso Pena à presidência da República, sucedendo a Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906). Em abril de 1906, o jornal organizou a Liga Republicana, frente única de oposição cujo programa incluía a “reconquista das liberdades democráticas” e a luta pela valorização do café. Em 28 de julho do mesmo ano, entretanto, a liga foi dissolvida devido à reconciliação entre dissidentes e situacionistas. 

Com a proximidade das eleições presidenciais de 1910, o jornal desde o início se mostrou contrário à candidatura do marechal Hermes da Fonseca, apoiando Rui Barbosa e sua Campanha Civilista. Divulgada inicialmente na Bahia, a plataforma de Rui Barbosa passou a receber ampla cobertura do periódico, que se tornou o porta-voz oficial dos civilistas em São Paulo. 

Após a vitória de Hermes da Fonseca, O Estado de S. Paulo chefiou a oposição e publicou em 27 de março o manifesto de Rui Barbosa à nação denunciando fraudes nas eleições. Após a posse do marechal em novembro, o jornal criticou o presidente pelo estabelecimento da censura à imprensa e denunciou arbitrariedades cometidas pela polícia. Em 27 de abril de 1913, Júlio Mesquita publicou editorial denunciando a inconstitucionalidade do fechamento do Congresso. O artigo valeu-lhe a proibição de circular nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e Petrópolis. 

No momento da sucessão de Hermes da Fonseca, em 1914, mais uma vez O Estado de S. Paulo apoiou a candidatura de Rui Barbosa, que foi derrotado por Venceslau Brás. No período seguinte, o jornal atravessou nova crise, provocada pelo apoio de Júlio Mesquita aos Aliados na Primeira Guerra Mundial. Como a maioria dos anunciantes do jornal era constituída de alemães, estes gradualmente retiraram sua publicidade, e o balanço de 1914 acusou uma grande queda nos lucros. Segundo o Diário Alemão, por outro lado, O Estado de S. Paulo estaria a reboque de interesses ingleses, e daí o apelido de The State of São Paulo atribuído ao periódico. 

Ainda durante o governo de Venceslau Brás, por ocasião da Revolução Russa, em novembro de 1917, Júlio Mesquita comentou em editorial que até aquele momento não se sabia se “Lênin é simplesmente um infame ou se nos achamos na presença de um alucinado, de mentalidade e de moral diversas das nossas”. 

Em 1º de março de 1918, foi eleito para a presidência da República o ex-presidente Rodrigues Alves, que não chegou a tomar posse, morrendo em 1919. Em seu lugar assumiu o vice-presidente eleito, Delfim Moreira, que permaneceu no poder até 28 de julho de 1919. Durante sua curta gestão, foram realizadas novas eleições. Pela terceira vez, O Estado de S. Paulo apoiou a candidatura de Rui Barbosa, opondo-se ao candidato situacionista Epitácio Pessoa, “sempre entre os que não amaram — e até detestaram — São Paulo”. 

Na sucessão de Epitácio Pessoa em 1922, ao ser desencadeada a campanha da Reação Republicana em apoio à candidatura de Nilo Peçanha contra o candidato da situação Artur Bernardes, O Estado de S. Paulo, pela primeira vez desde 1910, não se colocou na oposição, mas apoiou o candidato oficial. Segundo o jornal, o programa de Bernardes, por mais defeitos que apresentasse, era mais significativo do que o de Nilo Peçanha, que se “salientava pela falta de ideias”. Além disso, a oposição a Bernardes representaria “uma tentativa de reerguimento do militarismo decaído”. 

Ainda no final do governo de Epitácio Pessoa, em 5 de julho de 1922, eclodiu um levante no Rio de Janeiro que iniciou o ciclo de revoltas tenentistas da década de 1920. Debelado no mesmo dia, o movimento foi criticado por O Estado de S. Paulo. Em novembro, contudo, o jornal lamentou que a posse de Artur Bernardes tivesse transcorrido com as garantias constitucionais dos cidadãos suspensas. 

Em 5 de julho de 1924, nova revolta eclodiu em Sergipe, Amazonas e São Paulo, só não sendo sufocada com rapidez neste último estado. Os rebeldes paulistas, comandados pelo general da reserva Isidoro Dias Lopes, ocuparam a capital por três semanas, abandonando então a cidade em direção ao interior. O movimento foi cuidadosamente documentado por O Estado de S. Paulo, que, no entanto, “manteve a mais completa neutralidade durante todo o tempo que durou a ocupação”. Júlio Mesquita negou aos revolucionários qualquer apoio. Em contrapartida, o jornal foi submetido a uma rigorosa censura até a libertação da cidade pelas tropas federais. 

No momento da sucessão de Bernardes, em 1926, O Estado de S. Paulo voltou à sua antiga oposição, manifestando-se contra a candidatura situacionista de Washington Luís. Paralelamente, o jornal mantinha uma atitude de expectativa em relação ao recém-fundado Partido Democrático (PD), cujas bases haviam sido lançadas pelo conselheiro Antônio Prado. Júlio Mesquita, embora insistisse em conservar seu “alheamento partidário”, apoiou o conselheiro “com todo o ardor” publicando um editorial em que aplaudia a nova agremiação. Apesar de tudo, o jornal louvou as primeiras medidas do governo de Washington Luís referentes ao fechamento da prisão política de Clevelândia, no Amazonas, e à extinção do estado de sítio. 

Em 1927, morreu Júlio Mesquita. A direção de O Estado de S. Paulo foi então entregue a Nestor Rangel Pestana e a Júlio de Mesquita Filho. Plínio Barreto assumiu a chefia de redação e Ricardo Figueiredo a gerência. A assembleia geral da sociedade anônima proprietária do jornal passou a ser dirigida por Armando de Sales Oliveira, Carolino da Mota e Silva e Francisco Mesquita. 

DE 1930 A 1945 

Com o início das articulações visando à sucessão de Washington Luís, e com a formação do movimento oposicionista da Aliança Liberal unindo os estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, O Estado de S. Paulo passou a apresentar — segundo a edição comemorativa de seu primeiro centenário — um noticiário “sóbrio e ralo”, no qual “faltavam informações”. Segundo a mesma fonte, Júlio de Mesquita Filho teria sido um dos principais articuladores da união entre o PD e o PRP em torno da candidatura situacionista de Júlio Prestes, união que seria viável desde que o candidato oficial “se comprometesse a incorporar à sua plataforma o voto secreto”. A recusa de Washington Luís em aceitar essa proposta teria eliminado a possibilidade da coligação entre os dois partidos. O PD começou então a se articular com Luís Carlos Prestes e Isidoro Dias Lopes, líderes exilados de 1924. Dessa conspiração participavam Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita, mas o noticiário do jornal mantinha-se discreto. Por outro lado, O Estado de S. Paulo era um dos periódicos em que o governo federal publicava uma página “não propriamente de propaganda de seu candidato, mas de ataques à Aliança Liberal”. 

Após as eleições de 1º de março de 1930, que deram a vitória a Júlio Prestes, O Estado de S. Paulo denunciou “fraudes... comunicadas ao Partido Democrático”. A partir daí, porém, limitou-se a noticiar os acontecimentos, vindo a reconhecer mais tarde a “feição anódina” de suas edições nos meses que precederam a Revolução de 1930. 

No dia 25 de outubro de 1930, o jornal mudou subitamente de posição, abrindo o noticiário com a frase “O Brasil respira”. Sua adesão ao movimento revolucionário só se manifestou, portanto, no momento em que Washington Luís foi deposto. O editorial do dia 1º de novembro apoiava o primeiro governo revolucionário de São Paulo, chefiado por João Alberto Lins de Barros. Esse apoio iria contudo desaparecer pouco a pouco, principalmente diante do acirramento da crise desencadeada entre o interventor e as elites políticas paulistas. 

No dia 8 de janeiro de 1931, o jornal contestou o discurso do líder revolucionário Juarez Távora em que este tachava a política paulista de regional e pouco afeita a “encarar os problemas nacionalmente”. O argumento apresentado pelo jornal foi que São Paulo não vivia à custa dos outros estados, mas estes, sim “é que [viviam] à custa de São Paulo”. 

Os primeiros sinais de um movimento separatista não impediram que o jornal apoiasse a primeira lei trabalhista promulgada pelo governo provisório de Getúlio Vargas. Em seu editorial de 29 de março de 1931, O Estado de S. Paulo declarava que “o operariado deve estar contente. O decreto federal que regula aquilo que se chamou ‘a sindicalização’ satisfaz às suas aspirações mais importantes. Todos os seus direitos são protegidos com ânimo generoso, ficando eles ao abrigo de perseguições e injustiças. É provável que os patrões não experimentem o mesmo júbilo. O decreto põe-lhes várias restrições ao exercício dos seus direitos dentro das oficinas, com as quais custarão a conformar-se, e condena-os a sacrifícios múltiplos, aos quais não se sujeitarão sem esforço. Além dos operários propriamente ditos, outras classes de trabalhadores que a eles são equiparadas devem alegrar-se com a nova lei, pois que são por ela beneficiados com justiça e humanidade. Mas agrade a uns e desagrade a outros, a lei constitui do ponto de vista social um poderoso instrumento de combate à loucura do comunismo”. 

No momento em que o PD rompeu com o governo provisório, O Estado de S. Paulo passou a publicar notas diárias apontando os erros da administração central em relação aos paulistas. Quando as pretensões separatistas do estado se acentuaram, o jornal declarou que “o caso de São Paulo não se resolve com metralha. Resolve-se com um pouco de tato”. 

A partir de fevereiro de 1932, o PD e o PRP se uniram para formar a Frente Única Paulista (FUP), reivindicando a autonomia de São Paulo e a volta imediata à ordem constitucional. Com sua própria diretoria filiada à FUP, O Estado de S. Paulo afirmou em editorial que “ou o estado é governado pela frente única, ou será mantido em desgoverno contínuo”. 

Os acontecimentos se precipitavam. Em 23 de maio de 1932, foi lançado em São Paulo um boletim assinado pela FUP e pela Liga Paulista Pró-Constituinte, redigido na noite anterior na sede de O Estado de S. Paulo por Júlio de Mesquita Filho, Antônio Carlos de Abreu Sodré e Cesário Coimbra. O documento exortava a população a repelir “a indébita e injuriosa intromissão na sua vida política daqueles que estão conduzindo São Paulo e o Brasil à ruína total e à desonra”. 

A Revolução Constitucionalista, deflagrada em 9 de julho de 1932, recebeu inteiro apoio do jornal: “Está vitorioso em todo o estado o movimento revolucionário constitucionalista” era a manchete do dia 10. A partir daí, o número de páginas do periódico reduziu-se, e diariamente apareciam fotos de batalhões partindo para o combate. A derrota da revolução conduziu ao exílio, entre outros, Júlio de Mesquita Filho, Francisco Mesquita, Antônio Mendonça e Paulo Duarte. Ainda assim, O Estado de S. Paulo continuou a ser publicado. Júlio de Mesquita Filho só voltou ao país em novembro de 1933. 

A partir de meados de 1934, o jornal passou a publicar diariamente páginas de propaganda do recém-fundado Partido Constitucionalista, formado pela reunião do Partido Democrático, da Federação dos Voluntários de São Paulo e de uma dissidência do PRP denominada Ação Nacional. Finalmente, com a promulgação da Constituição no mês de julho, o jornal publicou nota considerando o evento como a conclusão da “obra que São Paulo encetou em 1932”. 

Pouco depois, o Partido Constitucionalista lançou a candidatura de Armando de Sales Oliveira ao governo estadual. O candidato, que sairia vitorioso, recebeu o apoio de O Estado de S. Paulo. O jornal adotou também uma posição antisseparatista, declarando: “Realmente, numa outra e recente ocasião, quando nos batíamos pela lei, uma parte do Brasil esteve contra nós. Ficamos isolados e era justo que isso nos magoasse. Mas depois disso, tudo mudou. Conquistamos tudo quanto exigimos ao entrar na luta. O nosso prestígio na Federação restaurou-se e São Paulo passou a ser governado de novo por paulistas ilustres. Tudo isso se fez sem quebra de dignidade, sem negociações indecorosas.” O jornal concluía afirmando que os paulistas já tinham mostrado na hora própria “ser... bravios. Mostremos agora que nunca deixamos de ser generosos e, sobretudo, inteligentes”. 

Contrário ao programa da Aliança Nacional Libertadora, O Estado de S. Paulo apoiou a candidatura do governador Armando Sales à presidência da República nas eleições previstas para 1938. O jornal passou a noticiar as diversas adesões estaduais a seu candidato, “um homem que [a sociedade] sabia incapaz de mentir aos seus ideais de brasileiro”. Ao mesmo tempo, a plataforma de José Américo de Almeida, candidato da situação, era tachada de demagógica. 

Diante do golpe do Estado Novo, desfechado em 10 de novembro de 1937, o jornal anunciou “profundas alterações na ordem político-social do país”. No dia 13, foi denunciada a adesão do PRP ao golpe. A partir daí, contudo, o jornal foi gradualmente limitando a amplitude de sua atuação política, pressionado pelo estreito controle da censura. O noticiário voltou-se para festas de formatura, reformas de militares, reuniões religiosas, reportagens policiais e notícias do estrangeiro. Cresceu a seção esportiva e a “Seção livre” praticamente desapareceu. A censura examinava todos os dias as provas tipográficas do jornal, devolvendo-as com um visto ou, como era frequente, cortando com tinta vermelha trechos ou mesmo artigos inteiros. 

Entre novembro de 1937 e abril de 1938, Júlio de Mesquita Filho foi preso três vezes, e acabou por ser induzido a deixar o país no menor prazo possível. Partiu para a França na companhia de Armando Sales. O Estado de S. Paulo continuou a circular, esvaziado de todo conteúdo político e dando grande destaque à ascensão do movimento nazista na Alemanha. Em 15 de junho de 1938, Léo Vaz assumiu a direção do jornal. 

Em 26 de março de 1940, a despeito de sua “neutralidade”, O Estado de S. Paulo teve sua sede invadida pela polícia. Segundo informações fornecidas pelo próprio jornal, a invasão teria sido ordenada pelo interventor Ademar de Barros, delegado que Vargas fora buscar entre os deputados eleitos pelo Partido Republicano para a recém-dissolvida Assembleia Legislativa. Diretores e funcionários foram expulsos, e o prédio permaneceu ocupado por soldados da Força Pública. No dia 7 de abril o jornal voltou a circular com nova diretoria, articulada com os interesses da situação. A orientação governista foi mantida até 1945, quando, no dia 29 de outubro, Vargas foi deposto e o Estado Novo chegou ao fim. 

DE 1945 A 1964 

No dia 7 de dezembro de 1945, estando José Linhares na presidência da República, o governo estadual devolveu O Estado de S. Paulo a Júlio de Mesquita Filho mediante o reembolso da quantia que havia gasto na compra de ações e no aumento do capital da empresa. Júlio de Mesquita Filho voltou assim à direção do periódico, ao lado de Plínio Barreto. Léo Vaz permaneceu na chefia de redação, enquanto a direção administrativa, econômica e financeira voltou a Francisco Mesquita, assistido por Ibanez de Morais Sales, Francisco Pereira Leite e Francisco de Castro Ramos. Plínio Barreto, além de encarregar-se da crítica literária do jornal, publicava a coluna “Bilhetes avulsos”. Júlio de Mesquita Filho assinava os “Ensaios sul-americanos” e publicava uma série de depoimentos intitulada “A Europa que eu vi”. 

Com a rearticulação partidária de 1945, O Estado de S. Paulo vinculou-se à União Democrática Nacional (UDN). Assim, nas eleições presidenciais de dezembro desse ano, o jornal apoiou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, que concorria com o general Eurico Gaspar Dutra, lançado por uma coligação entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Durante o breve governo de José Linhares, Eduardo Gomes fora também um dos maiores interessados na volta da direção do jornal à família Mesquita. 

Mesmo com a vitória de Dutra, o jornal acentuou que o simples fato de o pleito “haver transcorrido em perfeita ordem deveria constituir motivo de geral satisfação”. As primeiras disposições do novo governo foram também apoiadas, na medida em que traduziam “intenções de restabelecer no país a vida democrática”. Entretanto, o jornal mostrou-se contrário ao desejo manifestado pelo presidente de incluir nomes da UDN em seu ministério, o que “enfraqueceria a linha do partido”. As indicações de Raul Fernandes e Clemente Mariani respectivamente para as pastas da Fazenda e da Educação foram assim mal recebidas. 

A posição de O Estado de S. Paulo durante o governo Dutra foi de oposição reservada e cautelosa, em geral pautada na atuação de Otávio Mangabeira, líder da UDN na recém-eleita Assembleia Nacional Constituinte. O jornal denunciou a corrupção e a tentativa de continuísmo de antigos funcionários do Estado Novo. Por outro lado, mostrou-se favorável à legalidade do Partido Comunista, que seria “menos perigoso funcionando como partido legal”. Consequentemente, foram condenadas todas as formas de arbitrariedade policial nos comícios comunistas, pois, se o partido podia funcionar legalmente, seus dirigentes deveriam ter o direito de divulgar seu programa. 

No final de 1946, nas negociações em torno da sucessão paulista, o jornal apoiou Antônio de Almeida Prado, candidato da UDN, que concorria com Hugo Borghi, candidato do PTB, Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP), e Mário Tavares, do PSD. Ademar de Barros saiu vitorioso e nos quatro anos seguintes O Estado de S. Paulo moveu-lhe intensa oposição, encampando o projeto da UDN de processá-lo por crimes que teria praticado contra o erário público. Procurou também chamar a atenção para o que considerava o lado visível de sua gestão, as sucessivas inaugurações de obras públicas. Denunciou igualmente o jogo do bicho, cujos banqueiros contribuiriam para uma “caixinha” controlada pelo próprio governador. O pedido de impeachment de Ademar de Barros apresentado na Assembleia fora resultado — segundo o jornal — de sua própria atuação, na medida em que pleiteara “uma lei federal” para regular “os processos movidos contra governadores”. Seria inadmissível que “alguns estados [continuassem] entregues a autoridades sem escrúpulo”. 

Nas eleições de 1950 para a presidência da República e para o governo do estado, o jornal apoiou mais uma vez os candidatos udenistas, respectivamente Eduardo Gomes e Prestes Maia. A vitória coube entretanto a Getúlio Vargas, apoiado pelo PTB e o PSP, e a Lucas Nogueira Garcez, candidato ademarista. Esses resultados foram recebidos de maneira diversa: ao governador do estado foi dado um voto de confiança, enquanto o presidente foi acolhido com apreensão. O Estado de S. Paulo via em Vargas a ameaça de implantação de uma república sindicalista no Brasil. 

Organizada a nova administração, Horácio Lafer, ministro da Fazenda, tentou formular um programa viável de estabilização, baseado na limitação do crédito. Encontrou, porém, a oposição de Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil, que insistia numa política de crédito fácil. No debate que se seguiu, O Estado de S. Paulo defendeu a posição de Horácio Lafer. Um pouco mais tarde, o jornal foi contra um projeto de lei facultando a intervenção governamental nos órgãos de imprensa, e desencadeou igualmente campanha contra outro projeto, regulamentando a radiodifusão no país. 

A oposição a Getúlio Vargas prosseguiu, e o editorial de 1º de janeiro de 1952 afirmava: “Na ordem interna tivemos que lutar constantemente contra o receio de agitações determinadas, de um lado, pelas crescentes dificuldades da existência e, de outro, pelas campanhas de desmoralização contra o Congresso Nacional alimentadas por pessoas da roda presidencial. A tranquilidade, nunca a conseguimos de maneira absoluta ou, pelo menos, duradoura. Não teria sido possível gozá-la num país onde as condições de vida se tornam dia a dia mais pesadas e onde não se restabeleceu a confiança nos sentimentos democráticos do chefe da nação, nem na educação constitucional de seus auxiliares mais graduados.” O Estado de S. Paulo se lançou, nessa ocasião, contra o que chamava de “tendências jacobinistas” do governo, ou seja, o projeto de regulamentar a remessa de lucros auferidos pelo capital estrangeiro investido no Brasil. Combateu igualmente a Comissão Federal de Abastecimento e Preços (Cofap). 

Em relação às eleições de 1952 para a presidência do Clube Militar, o jornal fez oposição à candidatura do general Estillac Leal e apoiou o general Alcides Etchegoyen, que saiu vitorioso. Esse episódio foi considerado uma “vitória da democracia”. 

A partir de 1953, O Estado de S. Paulo iniciou uma série de denúncias contra o que considerava “irregularidades administrativas do governo de Vargas”. Entre essas irregularidades, o escândalo das transações entre o Banco do Brasil e as empresas Érica e Última Hora, de propriedade do grupo Samuel Wainer, foi a que mais chamou a atenção do jornal. 

No início de 1954, o periódico apoiou o Manifesto dos coronéis, que criticava a política do então ministro do Trabalho, João Goulart. No mês de agosto, o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, em que perdeu a vida o major-aviador Rubens Vaz, foi apresentado como obra do governo. O Estado de S. Paulo apoiou também o inquérito subsequente, realizado na chamada “República do Galeão”, através do qual seria revelada “a enormidade dos crimes praticados ao longo dos meses pela verdadeira quadrilha que [cercava] Vargas”. A edição do dia 24 de agosto trazia quatro páginas de manifestações de diversos grupos sociais exigindo a renúncia de Vargas. Naquela madrugada o presidente se havia suicidado. Embora eleito vice-presidente pelo PSP-PTB, Café Filho, ao assumir o governo, inclinou-se para as proposições políticas da UDN. Dessa forma, O Estado de S. Paulo, segundo a edição comemorativa de seu primeiro centenário, “recebeu com simpatia o novo governo, que rapidamente adquiriu plena estabilidade”. 

Os debates em torno da sucessão presidencial colocaram o jornal entre os opositores da candidatura de Juscelino Kubitschek, lançada pelo PSD em 25 de novembro de 1954. Até esse momento, a UDN não havia indicado seu candidato. Embora não escondesse suas preferências pelo brigadeiro Eduardo Gomes, O Estado de S. Paulo apoiou em seguida o candidato oficial do partido, Juarez Távora. Com a vitória de Juscelino, o jornal encampou a tese udenista da maioria absoluta, ou seja, de que o candidato eleito não deveria tomar posse por não ter obtido votação suficiente. Segundo o periódico, o resultado do pleito “não refletia o pensamento da nação”. 

Diante do movimento de 11 de novembro de 1955, que depôs o presidente interino Carlos Luz para garantir a posse dos candidatos eleitos, O Estado de S. Paulo opôs-se ao general Henrique Lott, mantendo, porém, segundo edição comemorativa posterior, “exemplar serenidade”. Por fim, o jornal acabou sofrendo a intervenção da censura. 

O governo Kubitschek foi considerado por O Estado de S. Paulo como “o período mais trabalhoso de toda a sua existência”. O jornal opôs-se de maneira sistemática ao presidente, considerado um representante tardio do getulismo. As presenças de João Goulart na vice-presidência, do general Lott no Ministério da Guerra, de Ernâni do Amaral Peixoto na embaixada brasileira em Washington e de Francisco Negrão de Lima na Prefeitura do Distrito Federal foram asperamente censuradas. A atuação de Jânio Quadros no governo de São Paulo foi também combatida. 

Até mesmo medidas liberalizantes de Juscelino foram recebidas com reservas. Assim, a suspensão da censura à imprensa, em 1º de fevereiro de 1956, “não passava de propaganda da nova administração”. Coerente com sua posição, o jornal pouco depois apoiou a revolta de Jacareacanga, dando ampla cobertura à fuga dos rebeldes. 

Durante o ano de 1957, capitaneando a oposição, O Estado de S. Paulo combateu o projeto de Benedito Valadares que estendia o direito de voto aos analfabetos e denunciou o que chamava de “esforços tendentes à prorrogação do mandato dos parlamentares”. A construção de Brasília, que aprofundaria “ainda mais os problemas financeiros com que lutava o país”, foi apontada como a causa do aumento da inflação. 

 Na preparação das eleições de 1958 para o governo de São Paulo, o jornal defendeu a candidatura de Carlos Alberto de Carvalho Pinto, temendo contudo a vitória de Ademar de Barros. A seu ver, o eleitorado pecava por não comungar com as tradições e crenças “dos que têm profundas raízes mergulhadas nesta terra”, pois “o grosso da população do estado, fonte da maioria eleitoral a cujo discernimento está entregue a determinação dos nossos rumos políticos, é constituído pelas legiões incessantes que, de já 50 anos para cá, têm acudido de outros estados e do estrangeiro, atraídas pelas imensas possibilidades que São Paulo lhes oferece”. São Paulo teria “um eleitorado de aluvião... que tem crescido, engrossado e esmagado a minoria dos que, por amor e dedicação à terra, a têm procurado inutilmente elevar por meio de governantes honestos e capazes”. Ainda assim, Carvalho Pinto foi eleito. 

Em novembro de 1959, quando a UDN começou a articular a candidatura de Jânio Quadros à presidência da República, O Estado de S. Paulo mudou sua postura frente ao ex-governador, apoiando-o e referindo-se ao “bom governo” que realizara no estado. O jornal não considerava o general Lott, candidato do PTB-PSD, um adversário perigoso. 

Em 21 de abril de 1960, por ocasião da inauguração de Brasília, o jornal publicou um encarte especial de oito páginas cobrindo as cerimônias de instalação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O primeiro editorial ressaltava que “Brasília [se tornara] um centro de atração mundial e nunca o Brasil [fora] tão falado no mundo inteiro”. O início do governo de Jânio Quadros foi recebido com euforia pelo periódico, que discordou apenas da nomeação de Clemente Mariani para a pasta da Fazenda: a um banqueiro, seria preferível “um economista de larga experiência e visão”. Pouco tempo depois, entretanto, o jornal começou a se inquietar com a política externa de Jânio, que defendeu a admissão da República Popular da China na Organização das Nações Unidas (ONU), reatou relações diplomáticas com a Hungria, a Romênia e a Bulgária, e condecorou o ministro cubano Ernesto “Che” Guevara. Por fim, a partir de março de 1961, O Estado de S. Paulo se enfileirou entre os setores oposicionistas. 

A renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, foi recebida com perplexidade. Contrário à posse de João Goulart, O Estado de S. Paulo não confiava na solução parlamentarista. O novo presidente foi recebido com hostilidade, embora fosse aplaudida a nomeação de Roberto Campos para a embaixada do Brasil nos EUA. O jornal opôs-se de imediato à atuação pública de Leonel Brizola e denunciou “o notório aumento da infiltração comunista”, bem como “os pendores ditatoriais de Goulart”. 

Embora as eleições estaduais de outubro de 1962 tivessem sido favoráveis à UDN, o jornal mostrou-se particularmente contrário à eleição de Miguel Arrais para o governo de Pernambuco e de Ademar de Barros para o governo de São Paulo. 

As reformas de base propostas pelo governo federal foram combatidas e tachadas de demagógicas. O Estado de S. Paulo moveu campanha contra a realização do plebiscito que decidiria a permanência ou não do regime parlamentarista. Realizado afinal em 6 de janeiro de 1963, o plebiscito devolveu ao Executivo os poderes que lhe haviam sido retirados, suscitando o seguinte comentário do jornal: “De amanhã em diante, passaremos a viver sob o peso esmagador de um presidencialismo que terá mais a feição de uma ditadura.” 

A partir do mês de agosto de 1963, o jornal iniciou uma série de editoriais sob o título geral “A subversão em marcha”, denunciando o avanço de uma frente de esquerda, a intranquilidade nos meios trabalhistas ocasionada pelas greves frequentes e a queda do poder aquisitivo provocada pelo alto custo de vida. Segundo a edição comemorativa do primeiro centenário do jornal, foi a partir de 1963 que, “com vistas à preservação do regime democrático no país”, se iniciaram as conspirações contra o governo, nas quais tomou parte a diretoria de O Estado de S. Paulo. Foi durante esse período que Júlio de Mesquita Filho redigiu o documento posteriormente conhecido como Roteiro da revolução, o qual, segundo o periódico, teria inspirado e orientado algumas das primeiras medidas tomadas pelo movimento político-militar de 31 de março de 1964. 

Pouco antes, quando João Goulart assinou o decreto de desapropriação de terras e de encampação de refinarias de petróleo, em 13 de março de 1964, o jornal publicou o editorial “Um salto no abismo”. A passeata do dia 19 de março, denominada Marcha da Família com Deus pela Liberdade, foi saudada como “a maior manifestação cívica já vista [no] estado”. 

DE 1964 A 1974 

A deposição de João Goulart desencadeou uma fase de “verdadeira euforia” em O Estado de S. Paulo, cujos editoriais exaltavam o movimento militar e ressaltavam sobretudo a participação paulista. Entretanto, a aproximação de Júlio de Mesquita Filho com o poder estaria condicionada à aceitação das teses expostas no roteiro que redigira anteriormente. O não cumprimento desse programa levaria o jornal a se afastar da situação. O Estado de S. Paulo considerava inicialmente que a “revolução, assumindo o poder, devia designar imediatamente um presidente da República ou chefe do governo revolucionário”. Assim sendo, o fato de Ranieri Mazzilli assumir a presidência não foi do inteiro agrado do jornal. O roteiro de Júlio de Mesquita Filho aconselhava igualmente a dissolução do Congresso, para que se expurgassem “os elementos indesejáveis”. Embora aprovasse a indicação do general Humberto de Alencar Castelo Branco para a presidência da República, o jornal foi portanto contra sua eleição pelo Congresso. 

O Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, recebeu o apoio do jornal, assim como as primeiras cassações efetuadas pelo governo Castelo Branco (1964-1967). Preocupado em consolidar a vitória do movimento militar, O Estado de S. Paulo aplaudiu as medidas governamentais, encampando a necessidade de prorrogação do AI-1. Em relação à reforma partidária elaborada pelo novo governo, contudo, o jornal mostrou-se favorável à manutenção dos antigos partidos, preocupado na verdade com a dissolução da UDN: “um partido não é apenas um aglomerado de indivíduos, mas, acima de tudo, um servo de tradições; na realidade, ele é aquilo que possam ter significado as campanhas de que tenha participado.” O jornal opôs-se também à prorrogação do mandato de Castelo Branco, ao Estatuto da Terra e à concessão do direito de voto aos analfabetos, projeto, aliás, derrubado no Senado. 

Ingressando no ano de 1965 com otimismo, O Estado de S. Paulo lamentou apenas a oposição de alguns setores do governo a Carlos Lacerda, um dos prováveis candidatos civis à sucessão de Castelo Branco. Ao mesmo tempo, Júlio de Mesquita Filho considerava excessivamente “legalistas” as preocupações do presidente, o que poderia levar o movimento revolucionário ao fracasso. Assim, o jornal apoiou o Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, que atribuiu poderes ao presidente da República para cassar mandatos e suspender direitos políticos, instituiu eleições indiretas para a presidência da República, aumentou o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, ampliou as atribuições da Justiça Militar e extinguiu os partidos políticos. 

Em 4 de janeiro de 1966, sob a orientação direta de Rui Mesquita, foi lançado o Jornal da Tarde, uma edição vespertina de O Estado de S. Paulo. 

A partir desse ano, O Estado de S. Paulo começou a mudar de posição, publicando editoriais pessimistas quanto à evolução política nacional, embora fosse mantido o apoio aos “êxitos da revolução no campo econômico-financeiro”. O periódico mostrou-se descontente com a “atrofia” das atribuições do Congresso, criticando assim o Ato Complementar nº 16, de 23 de julho de 1966, que enfraqueceu ainda mais o Legislativo. Ainda no mês de julho, O Estado de S. Paulo mobilizou-se para combater o plano do governo de reforma da Constituição. Pouco mais tarde, o jornal teceu elogios a Raul Pilla, deputado da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido situacionista recém-fundado, que se incompatibilizou com o governo e renunciou à sua cadeira na Câmara. O jornal preocupava-se sobretudo com a liberdade de imprensa, ameaçada por nova lei em elaboração. 

Ainda em 1966, a cassação de Ademar de Barros foi do inteiro agrado de O Estado de S. Paulo: “É um prazer ver este senhor pelas costas.” O jornal vinha denunciando uma “série de escândalos da administração estadual” na expectativa da cassação do governador. 

Em relação ao problema da sucessão presidencial, o jornal defendia a idéia de uma candidatura única, considerando “uma péssima idéia” a criação da Frente Ampla, na qual se articulavam Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart. O periódico apoiou finalmente a eleição indireta do general Artur da Costa e Silva para a presidência da República, em 3 de outubro de 1966. 

Diante do governo Costa e Silva (1967-1969), o periódico manteve uma posição ambígua, depositando, de um lado, “grandes esperanças no período político-administrativo que se iniciava”, e preocupando-se, de outro, com “a evidente expansão do militarismo”. Considerando que o novo presidente não era um representante da chamada “linha dura” do Exército, o jornal apoiava igualmente o ministro do Exército, general Aurélio de Lira Tavares. Reconhecia, entretanto, as tendências dissidentes que começavam a surgir no seio das forças armadas, insatisfeitas diante da brandura com que procurava governar Costa e Silva, principalmente por não tomar uma atitude contra a Frente Ampla, cada vez mais ambiciosa. 

No dia 4 de abril de 1968, a Frente Ampla foi extinta, sua sede no Rio de Janeiro foi lacrada e as suas atividades foram proibidas em todo o território nacional. Foi a partir desse momento que O Estado de S. Paulo começou a definir-se mais propriamente como órgão oposicionista, entrevendo no enfraquecimento visível do dispositivo político do governo central “o caminho que se abria para a ditadura”. 

O editorial de 3 de dezembro de 1968 aconselhava o governo a promover uma reforma da Constituição que restituísse a autonomia do Legislativo. O Executivo era igualmente incitado a reformular a vida partidária, a modificar as leis de segurança e de imprensa e a “sincronizar as aspirações populares com as instituições políticas”. 

Pouco depois, O Estado de S. Paulo imprimiu o editorial “Instituições em frangalhos”, analisando a crise política instaurada após a Câmara ter negado permissão às forças armadas para processar o deputado oposicionista Márcio Moreira Alves, que sistematicamente desferia violentos ataques contra os militares. A edição do jornal foi apreendida durante a madrugada, e a partir de então a redação esteve sob censura. Dias depois, em 13 de dezembro de 1968, era promulgado o Ato Institucional nº 5, que declarou suspensas as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade, estabilidade e de habeas-corpus, atribuiu ao presidente da República o poder de intervir nos estados e municípios, cassar mandatos e suspender direitos políticos, confiscar bens, decretar o estado de sítio sem audiência do Congresso, demitir e reformar oficiais das forças armadas e das polícias militares e, por fim, promulgar decretos-leis e atos complementares destinados a garantir a continuidade do movimento de 1964. O Estado de S. Paulo, a partir dessa época, deixou de publicar seu primeiro editorial na composição tradicional de duas colunas em corpo oito, substituindo-o pela nota diária de comentário dos acontecimentos internacionais. Nesse momento, com a morte de Júlio de Mesquita Filho, assumiu a direção Júlio de Mesquita Neto. 

Durante o governo do general Emílio Médici (1969-1974), o jornal manteve-se novamente em posição ambígua, tecendo elogios à situação econômico-financeira do país, mas ressalvando que no setor político a “mensagem [do governo era] muito pobre”. Fez também comentários favoráveis à visita de Médici aos Estados Unidos, ressaltando o fato de ser o Brasil “uma peça importante no sistema democrático ocidental”, e condenou o senador norte-americano Edward Kennedy por suas denúncias aos excessos da repressão no Brasil. Paralelamente, Júlio de Mesquita Neto, como presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da Associação Internacional de Imprensa, considerava “sombrio o panorama que se abre para a América Latina, onde a liberdade de imprensa, tal como é entendida nos países desenvolvidos, existe apenas na Costa Rica, na Venezuela e na Colômbia”. 
Carlos Eduardo Leal 

DE 1974 A 1985 


Em abril de 1975, já no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), foi suspensa a censura prévia a que o jornal esteve submetido ao longo de todo o governo Emílio Médici. Com a vitória da oposição nas eleições legislativas de 1974, desencadeou-se o processo de restauração dos direitos políticos democráticos, conduzido pelo próprio regime militar, que se estenderia até março de 1985, quando da posse de José Sarney. Nesse sentido, diferentemente de outros órgãos da imprensa que foram liberados da censura apenas no final da década de 1970, O Estado de S. Paulo pôde acompanhar todos os passos trilhados em direção à redemocratização do país gozando de uma autonomia que expressava ao menos o ponto de vista de sua direção, ainda exercida por Júlio de Mesquita Neto. Junto à retomada de sua independência editorial, o jornal afirmava-se como empresarialmente bem-sucedido, o que era atestado em junho de 1976 pela mudança de endereço, a partir de então um conjunto de cinco prédios de 30 mil metros quadrados numa das marginais do rio Tietê. 

Em 1º de abril de 1977, o presidente Geisel decretou o recesso do Congresso Nacional, que se recusara a aprovar o projeto oficial de reforma do Judiciário. Durante os 14 dias em que o Congresso esteve fechado, Geisel decretou a reforma pretendida e baixou um conjunto de medidas, conhecido como “pacote de abril”, com o objetivo de preservar a maioria governista no Legislativo e de controlar os cargos executivos. Na ocasião O Estado de S. Paulo publicou editorial em que tecia considerações a respeito do golpe militar de 1964 e da sucessão de atos que afastaram os novos detentores do poder do ideal de “salvar o Brasil de um destino totalitário”. Expressando seu compromisso com o processo de abertura, o jornal, em uma avaliação dos governos militares, afirmava que o presidente Castelo Branco, cujo propósito inicial era “devolver o país às suas tradições liberais”, chegara “à reta final de seu governo com a nódoa da Lei nº 5.520 que nos fez retroceder, no plano cultural e político, aos tempos inquisitoriais”. Da mesma forma, ao presidente Costa e Silva, “liberal por índole”, devia-se “outra nódoa nos anais do direito constitucional brasileiro, o AI-5”, e ao presidente Emílio Médici, que “havia anunciado a intenção de restabelecer a normalidade democrática no país ao assumir o poder”, “um regime de censura sultanesca, de censura asiática, despótica”. 

Quanto ao presidente Geisel, apesar dos “notórios... passos de seu governo rumo à distensão do estado repressivo que herdara de seu antecessor”, o jornal concluía que teria acabado por abdicar da preocupação em restaurar progressivamente o estado de direito, encerrando “abruptamente o Congresso Nacional” e preparando-se para “remodelar as instituições políticas nacionais segundo a vontade discriminatória do sistema”. O principal foco de preocupação de O Estado de S. Paulo era, em consequência da reforma do Judiciário, a alteração do texto da Lei de Imprensa, que a partir de então imporia fortes penas pecuniárias aos jornalistas e aos meios de comunicação que incorressem em delitos de imprensa, e instituiria o rito sumário para o julgamento de tais delitos, de modo que entre a divulgação da matéria incriminada e a promulgação da sentença não transcorressem mais de 30 dias. 

O processo de abertura política levou o governo a confrontos diretos com a imprensa, e em novembro de 1978 o jornalista Evandro Paranaguá, da sucursal de O Estado de S. Paulo em Brasília, teve cassada a credencial que lhe permitia trabalhar no palácio do Planalto em função do artigo “Aqueles que nos julgam”. O texto, publicado em 18 de outubro, acusava os órgãos de segurança de abuso de poder e responsabilizava nesse sentido o coronel Antenor Santa Cruz Abreu, lotado no gabinete do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). 

Em abril de 1979, já no governo do presidente João Batista Figueiredo (1979-1985), o jornal divulgou um documento atribuído ao Centro de Informações do Exército (CIE) no qual se propunham “sanções econômicas para coibir a atividade nefasta da imprensa nanica contestatória”, assim como a “realização de auditagem contábil nos jornais da chamada imprensa alternativa e o cancelamento de seus registros se ficar comprovada a existência de débitos com a Fazenda Nacional”. O próprio governo desqualificou o caso e, sem negar a autenticidade do documento, declarou que ele provinha de um governo anterior. Um possível processo contra O Estado de S. Paulo com base no que teria configurado desrespeito à lei que proibia a divulgação de documentos reservados também não foi adiante. 

 Quando da aprovação da Lei da Anistia em agosto de 1979, por meio da qual se foram beneficiados 4.650 opositores do regime militar e foram permitidos o retorno dos exilados, a libertação de grande parte dos presos políticos ainda detidos e a livre circulação daqueles que se mantinham na clandestinidade, O Estado de S. Paulo publicou o editorial “A anistia e a esperança”, no qual expressava cautela diante da medida, pois o que “se supunha ser a primeira etapa no caminho da reconciliação” podia acabar se transformando “em mais um motivo de divisão e acirramento dos ânimos”. Para o jornal, a esperança da retomada de um processo de paz interna em função da aprovação da anistia era injustificada; a liderança governista na Câmara teria sido responsável pelo que seria a transformação da anistia em “instrumento do clientelismo e da distinção social”, ao incluir em seu substitutivo emendas anistiando crimes que não eram expressamente políticos. Assim, a anistia teria se amesquinhado, “misturando o crime político com o delito ‘comum’”. O jornal matizava, contudo, o papel do presidente João Figueiredo, cujo governo teria “manifestado claramente sua intenção de fazer os avanços possíveis no caminho do estado de direito”, mas contra o qual havia forças que não estavam “absolutamente sob controle”. O editorial concluía afirmando que “a anistia foi um palmo de terreno a mais que se conquistou na dura guerra de posicionamento entre o autoritarismo e a democracia”. 

Em agosto de 1980, o jornal ganhou no Tribunal Federal de Recursos direito à indenização pela censura prévia às edições de 10 e 11 de maio de 1973, que noticiavam a demissão, pelo presidente Emílio Médici, de Luís Fernando Cirne Lima da pasta da Agricultura. Em 5 de maio de 1981, após o chamado Atentado do Riocentro — episódio em que uma bomba explodiu no interior de um carro no estacionamento de um centro de convenções no Rio de Janeiro durante um show de comemoração do Dia do Trabalho, matando um sargento e ferindo um capitão do Exército, ambos ocupantes do veículo —, O Estado de S. Paulo publicou o editorial “A defesa do Estado”, no qual conclamava o governo a não minimizar o caso como um episódio corriqueiro a ser resolvido por um inquérito policial-militar, mas a enfocá-lo como “um problema que afeta o Estado e cuja solução afirmará ou não sua razão de ser e seu poder”. A pronta conclusão a que chegara a opinião pública, de que uma explosão acidental teria frustrado o atentado a ser cometido pelos próprios militares, fora rechaçada por autoridades do I Exército, para quem suspeitas dessa natureza contra militares em “missões normais de rotina” configuravam “interpretações malévolas” destinadas a denegrir as forças armadas. O jornal ponderava então que “o Exército está isento de suspeita... porque sua vocação natural... é ser leal ao seu comandante supremo, que é o chefe de Estado, e ao juramento de defender a Constituição e as leis”. No entanto, “esse reconhecimento não [impedia], à vista das circunstâncias, que a opinião pública se pergunt[asse] que tipo de missão se cumpria naquela noite fatídica... — e é de dar resposta a esta pergunta que dependerá a permanência da ordem jurídica e a afirmação do poder legítimo do Estado”. 

O não esclarecimento da série de atentados que antecedeu o do Riocentro — contra a Ordem dos Advogados do Brasil, o bispo de Nova Iguaçu (RJ), a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro — levou O Estado de S. Paulo a concluir que “não é o projeto de abertura política do presidente Figueiredo que está no alvo dos terroristas impunes; não é a autoridade presidencial que se tem em mira — esta está abalada e corre o risco de desfazer-se à medida que os dias decorrem na pasmaceira das não soluções, e aquele submergirá a curto prazo por falta de decisão. O que o terror visa... é a ordem jurídica, o estado de direito liberal e democrático que queremos construir — e ela naufragará pela inércia do Estado, que desafiado foge e permite que a sacralidade de seu poder seja desafiada por meia dúzia, não mais do que isso, seguramente, de homens que perderam a razão”. O jornal tentava conciliar sua afirmação da necessidade do que seria um estado de direito liberal com uma posição não antagônica às forças armadas; assim, o Exército, “enquanto instituição nacional e permanente, [estaria] acima desses fatos”, sempre a serviço do Estado; “para que [pudesse cumprir] sua missão, contudo, [era] necessário que houvesse um Estado”. 

Em junho de 1983, O Estado de S. Paulo desassociou sua operação editorial da operação industrial, transferindo todo o parque gráfico de sua propriedade para uma nova empresa recém-criada pelos proprietários do jornal, com a denominação de O Estado de São Paulo Gráfica S. A. A constituição dessa empresa tornou-se possível graças à venda de debêntures adquiridas por um grupo de bancos privados liderado por Olavo Setúbal, ex-prefeito da cidade de São Paulo e presidente do Banco Itaú. Essa terceirização de parte da atividade empresarial de O Estado de S. Paulo foi vista pelo noticiário da época como a consequência das dificuldades materiais atravessadas pelo jornal, expressivas, em última instância, da crise econômica que assolava o país. Uma nota do jornal veio posteriormente reagir a tais afirmações, considerando-as destituídas de fundamento e insinuando que sua razão de ser estaria no fato de se originarem em órgãos do que seria uma imprensa concorrente. 

Ao longo dos primeiros anos da década de 1980, o jornal manteve, de acordo com o ponto de vista de sua direção, uma linha editorial independente. No âmbito da política estadual, assumiu uma postura contrária aos governos de Paulo Maluf e de Franco Montoro, mas em relação ao governo federal, alternou críticas com manifestações de apoio, saudando as atitudes governamentais vinculadas ao projeto de liberalização do regime. Esse movimento pendular ficava patente em editorial publicado em novembro de 1983, no qual o jornal afirmava estar o país vivendo “neste crepúsculo, não se sabe do autoritarismo, se da frágil democracia de que desfrutamos”. Os principais pontos de afastamento em relação ao governo diziam respeito à política externa, que pugnava por uma aproximação com os países do continente africano. A viagem do presidente João Figueiredo a cinco países da África configuraria o que o jornal chamava, de maneira um tanto irônica, sua política “terceiro-mundista”. De acordo com O Estado de S. Paulo, “a ênfase prioritária que se dá ao terceiro-mundismo... leva ao desperdício de nossas energias diplomáticas, num mundo heterogêneo dilacerado por conflitos ideológicos e por guerras nacionais fratricidas”. Para o jornal, seria “preciso comerciar sempre e por toda a parte, quando e onde for possível”, postura de resto consistente com uma visão liberal da economia. 

Em fins de 1983, o jornal sofreu um atentado por parte de grupos de direita. Na ocasião o deputado Israel Novais sugeriu que o atentado, malgrado a não localização na linha editorial de O Estado de S. Paulo de “colorações situacionistas”, tinha por meta atingir “frontalmente o equilíbrio de todo o Estado”. 

Por essa época iniciava-se a campanha das Diretas, cujo propósito era o “restabelecimento de eleições diretas para a presidência da República, tendo como pano de fundo a divisão das forças governistas quanto à sucessão do presidente João Figueiredo”. Grandes comícios impulsionaram a campanha, que culminou com gigantescas manifestações em abril de 1984. O grande comício de 10 de abril, realizado em torno da igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, foi comentado em editorial de O Estado de S. Paulo como comprobatório do caráter ordeiro e pacífico do povo brasileiro. Absolutamente favorável às diretas, o jornal exortava, diante do grande volume de manifestantes que compareceram — quinhentos mil ou o dobro —, os “deputados defensores do Colégio Eleitoral” a tentar uma reunião à qual comparecessem ao menos dez mil simpatizantes, o que “ajudaria muito os parlamentares que pretendem sepultar a emenda Dante de Oliveira”. O editorial acrescentava ainda que “só o Executivo, insensível e isolado,... está alheio ao que sucede no cenário político: enrijece-se na defesa das indiretas e não desiste do propósito funesto de levar ao poder mais um representante da oligarquia que encilhou este país e o explora a seu bel-prazer”. Contudo, a direção do jornal mostrava clareza em relação à impossibilidade da aprovação da emenda Dante de Oliveira, pela ação sobretudo dos “inefáveis senadores biônicos”. A adoção das eleições diretas, proposta pela emenda Dante de Oliveira, foi de fato rejeitada pela Câmara dos Deputados em 25 de abril. 

DE 1985 A 1995 

Já durante o governo José Sarney (1985-1990), em fevereiro de 1986 foi lançado o Plano Cruzado, visando a combater a inflação que chegara a ultrapassar os 250% ao ano naquele mês. O plano incluiu medidas como a criação de um novo padrão monetário — o cruzado, de valor mil vezes maior que o cruzeiro, então abolido —, a extinção da correção monetária, a estabilização cambial e o congelamento de preços e salários. O programa alcançou grande sucesso nos primeiros meses, com a decidida redução da inflação e o entusiasmo popular na fiscalização de preços, mas acabou por apresentar numerosos problemas de ajuste, o que impossibilitou um controle mais longo da inflação. 

Nesse sentido, em 1º de março de 1986 o editorial “Torcer para dar certo” argumentava que a responsabilidade pela inflação não podia ser creditada apenas, como o presidente Sarney vinha fazendo, aos chamados “donos do capital”, “empresários preocupados com suas finanças particulares e não com o destino da nação”. Para o jornal, o governo omitia outros aspectos geradores de um processo inflacionário, no bojo dos quais estariam os gastos com as estatais. O déficit e a dívida pública seriam na verdade o ponto nevrálgico da inflação. O jornal elogiava a conclamação feita pelo presidente Sarney a estados e municípios no sentido de reduzirem gastos, mas permanecia temeroso quanto a seu círculo de assessores, “hoje desprovido... de alguns privatistas convictos e cercando-se... cada dia mais de esquerdistas”. 

Em maio de 1986, o editorial “Sabotador da reforma será o governo” investia novamente contra o setor público, considerando-o de “prodigalidade sem freios”, em oposição ao setor privado, “a gemer sob o peso de mil tributos de todo o tipo tomados na marra pelo fisco implacável”. Nas estatais se fabricava “o rombo astronômico que entroniza a inflação e a leva ao paroxismo”. 

Em novembro, Orestes Quércia, então candidato ao governo do estado de São Paulo, solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral que censurasse o jornal por suas posições contrárias à sua candidatura. O pedido foi indeferido. 

Em 16 de março de 1990, no início do governo do presidente Fernando Collor (1990-1992), foi anunciado novo plano de estabilização financeira, inaugurado com o confisco das cadernetas de poupança. O Estado de S. Paulo criticou a intervenção estatal na economia, afirmando não ser justo “que o setor privado continue pagando pela incapacidade de o Executivo, irmanado ao Legislativo e ao Judiciário, realizar a reforma do Estado que o habilite a exigir dos empresários ainda mais sacrifício”. Para Júlio de Mesquita Neto, “a solução dos problemas enfrentados pelo país... passa pelo crescimento econômico, pelo mercado, pela livre empresa e a retirada dos controles governamentais sobre a economia, bem como pela privatização e enxugamento da máquina estatal”. 

A postura liberal de O Estado de S. Paulo fez com que o jornal entrasse em choque com o governo de Fernando Collor. Assim, em 1992, no momento em que o Poder Legislativo federal desencadeou o processo político visando ao impeachment de Collor, sob acusação de envolvimento em esquema de corrupção e tráfico de influência organizado por Paulo César Farias, tesoureiro de sua campanha eleitoral, o que resultou em seu afastamento da presidência da República, o jornal posicionou-se favoravelmente ao processo. De acordo com O Estado de S. Paulo, “o chefe de Estado desmereceu da pátria, traiu a confiança de seus eleitores, permitiu... que se formasse uma quadrilha... para realizar o assalto estratégico aos cofres do Estado”. Contudo, o jornal afirmava a necessidade incondicional de um procedimento pautado pelas exigências da lei. Nesse sentido, argumentava que “não se ministra justiça passando por cima da lei”. 

Decretado afinal o impedimento de Collor, foi efetivado na presidência da República o até então vice-presidente Itamar Franco (1992-1995). Durante seu governo, a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1993, foi enfocada de maneira positiva por O Estado de S. Paulo, já que teria como objetivo “reduzir a participação do Estado, falido, e a atração de investimentos privados nacionais e estrangeiros”. O jornal criticou, por outro lado, a intenção do presidente de não privatizar algumas empresas estratégicas, entre elas a Petrobras, caracterizada como “um malogro de 40 anos”. A presença do capital estrangeiro nas privatizações foi vista de maneira positiva. 

Em 21 de abril de 1993, um plebiscito manteve no país a forma republicana de governo e o regime presidencial. Para o jornal, tal resultado foi a “vitória do imobilismo, para não dizer da crise”. Em seu modo de ver, durante a campanha não fora esclarecido ao eleitorado o real sentido do plebiscito, nem as diferenças fundamentais entre a monarquia e a república, e, “tarefa mais difícil, entre o presidencialismo e o parlamentarismo”. 

A revisão constitucional iniciada no primeiro semestre de 1993 foi recebida positivamente pelo jornal, pois poderia criar “as condições para uma mais íntima associação do Brasil com o mercado global de bens e ideias”. O jornal criticou a postura do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que se opuseram à revisão naquele momento, por pretenderem “fechar ainda mais nossa economia e nosso contato com o exterior”. O jornal também se manifestou totalmente contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), alegando que este tinha objetivos puramente eleitoreiros, além de ser, segundo os editoriais, uma “organização paramilitar” que comandava um “movimento anticonstitucional”. 

A indicação de Fernando Henrique Cardoso para ministro da Fazenda em maio de 1993 foi bem recebida, tendo o jornal ressaltado no senador a figura do intelectual com profundo conhecimento do país. A atuação da equipe econômica de Fernando Henrique foi contudo criticada devido ao que foi considerado um excesso de preocupações acadêmicas. A aprovação do Plano Real pelo Congresso Nacional em maio de 1994 foi avaliada positivamente, entre outros motivos pela importância do plano, que, segundo o jornal, foi o melhor de todos. A implantação do Plano Real em 1º de julho de 1994 foi também bem recebida, embora o jornal ressaltasse que seu êxito dependeria de uma série de medidas cujo rumo ainda não estava definido. 

A oposição de O Estado de S. Paulo a Luís Inácio Lula da Silva, candidato petista à presidência da República pela primeira vez em 1989, foi mantida na campanha de 1994. A relação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) com os petistas foi analisada negativamente, pois, segundo o jornal, o partido recebia verbas da entidade sindical e apoio político para a campanha eleitoral. Entre os candidatos à eleição presidencial de 1994, o jornal optou por Fernando Henrique, que teria o melhor perfil, capaz de “uma real modernização das atividades econômicas”. 

De acordo com o jornal, a vitória de Fernando Henrique no pleito de outubro de 1994 favoreceria novas entradas de capitais e viabilizaria o êxito do Plano Real. O jornal ainda frisou a grande vitória de seus aliados, que formaram uma consistente base parlamentar que viabilizaria a aprovação das reformas constitucionais. Em 1995, com a posse do novo presidente da República, o jornal se posicionou favoravelmente às medidas do governo, sobretudo no tocante às privatizações. O Plano Real foi saudado como um plano econômico que deu certo e garantiu uma boa imagem do Brasil no exterior. 

Vicente Saul 

Em março de 2000 entrou no ar o portal de O Estado de S. Paulo. Em 2005 jornal conquistou o prêmio Caboré de Melhor Veículo de Comunicação para Mídia Impressa. Em 7 de janeiro de 2007 os grupos Estado e Infoglobo inauguraram conjuntamente o site ZAP. Em 2007, segundo levantamento do Instituto Verificador de Circulação (IVC), a circulação de O Estado de S. Paulo cresceu acima da média dos grandes jornais. Em 2008 o jornal possuía cerca 1,14 milhão de leitores de segunda a domingo e era o quinto do país em circulação. 

FONTES: BENEVIDES, M. UDN; CARONE, E. República; Estado de S. Paulo (1977 - 1995); Estadão. Disponível em: . Acesso em: 15/10/2009; HILTON, S. Guerra; Jornal do Brasil (16/11/1986, 31/5/1990); M&M Online. Disponível em: . Acesso em: 15/10/2009; NOBRE, J. História; Portal Imprensa. Disponível em: . Acesso em: 15/10/2009; SILVA, H. 1922; SILVA, H. 1926; SILVA, H. 1930; SILVA, H. 1931; SILVA, H. 1932; SILVA, H. 1933; SILVA, H. 1934; SILVA, H. 1935; SILVA, H. 1937; SILVA, H. 1938; SILVA, H. 1939; SILVA, H. 1942; SILVA, H. 1944; SILVA, H. 1945; SILVA, H. 1954; SILVA, H. 1964; SKIDMORE, T. Brasil; Veja (4/1975 – 3/1995). 


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http://www.blogdacidadania.com.br/

Ruptura do Estadão com a ditadura é história pra boi dormir




A morte do jornalista Ruy Mesquita, diretor do jornal O Estado de São, na noite de terça-feira (21), ensejou matérias em telejornais e portais de internet que estão divulgando uma das mais antigas conversas moles dos autores intelectuais de uma ditadura sangrenta, selvagem e degenerada que se abateu sobre o Brasil durante mais de duas décadas.

Um aviso: este artigo nada tem que ver com o cidadão Ruy Mesquita, de quem o Blog lamenta a morte como lamentaria de qualquer ser humano, mas com uma tentativa malandra de revisionismo histórico que o passamento do dito cujo desencadeou.

O Jornal Nacional, por exemplo, apresentou assim o papel do Estadão durante a ditadura militar que, ao menos, o telejornal reconheceu que foi apoiada em seus primeiros momentos pelo jornal que Ruy Mesquita dirigiu até morrer:

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Jornal Nacional


Reportagem sobre a morte de Ruy Mesquita

“Ao lado do pai, Júlio de Mesquita Filho, e já como jornalista, [Ruy Mesquita] apoiou o golpe de 1964, mas a família rompeu com o regime no ano seguinte [1965], quando as eleições foram canceladas [pela ditadura]”

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História para boi dormir, isso sim.

Nos momentos que antecederam o golpe, Ruy Mesquita, filho do dono de O Estado de S. Paulo, era vinculado à UDN. Na redação de seu jornal, semanalmente eram feitas reuniões conspiratórias com civis e militares tão interessados quanto aquele barão da mídia em tramar o golpe.

Contudo, a ruptura que teria ocorrido em 1965 – um ano após o golpe – entre o Estadão e o regime que o jornal ajudara a implantar, não era para valer. Não passava de uma forma de o veículo disfarçar seu apoio a medidas da ditadura que se coadunavam com a sua visão político-ideológica.

O Estadão, por exemplo, apoiou a censura aos movimentos de esquerda e até a peças de teatro que entendia como “propaganda comunista”. Editorial desse jornal publicado em junho de 1968, portanto bem depois de sua suposta “ruptura” com o regime, deixa ver que sua alardeada luta contra a censura não passava de fachada.

Abaixo, trecho daquele editorial:

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O ESTADO DE SÃO PAULO

Editorial

(…) Foi uma oportuna manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos morais.

O mundo teatral – tanto os atores e atrizes como os autores – vêm movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem.

O que na censura geralmente se vê é uma ameaça à liberdade, o que assume a feição particularmente antipática quando à liberdade ameaçada é a artística. Carradas de razão, entretanto, teve o parlamentar acima referido ao assinalar, a propósito de peça teatral a cuja representação assistira, que a censura, longe de se mostrar rigorosa no escoimá-la de seus exageros mais escandalosos, o que revelou foi uma complacência que não pode deixar de ser severamente criticada (…).

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O editorial considerou “branda” a censura dos ditadores a peça teatral que o jornal considerava esquerdista demais. Ora, alguém é capaz de explicar que ruptura é essa que pedia que aqueles com os quais teria rompido intensificassem a censura a peças teatrais?

Esse pedido do jornal ao regime para que intensificasse a censura provocou intensa comoção entre a classe artística, a ponto de o crítico teatral Sabato Magaldi dar entrevista comunicando o repúdio dos artistas àquele editorial do Estadão.

Artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, então, no mesmo dia da publicação do editorial mandam chamar a imprensa a fim de anunciar que os prêmios “Saci” (premiação que o Estadão conferia anualmente aos melhores da produção brasileira de cinema e teatro) seriam devolvidos ao jornal em protesto contra o tal editorial, considerado pelos artistas “totalmente favorável à censura ditatorial”.

Os prêmios “Saci” foram devolvidos ao Estadão pelos seguintes artistas: Cacilda Becker, Walmor Chagas, Fernanda Montenegro, Maria Della Costa, Sérgio Mamberti, Odete Lara, Jorge Andrade, Lélia Abramo, Etty Fraser, Ademar Guerra, Fauzi Arap, Augusto Boal, Flávio Império, Flávio Rangel, Gianfrancesco Guarnieri, José Celso Martinez Corrêa, Liana Duval, Paulo Autran e Tônia Carrero.

E nem vamos falar da demissão da psicanalista Maria Rita Kehl pelo Estadão em 2010 por “delito de opinião”, ou seja, por ter escrito artigo que o jornal, que apoiava abertamente a candidatura José Serra, considerou que era favorável à candidatura Dilma Rousseff. Afinal, o foco é esse jornal e a ditadura.

Nesse aspecto, há até uma densa obra acadêmica entre as várias que denunciam a promiscuidade entre jornalões como o Estadão e a ditadura militar para muito além de 1965.Trata-se do livro da historiadora Beatriz Kushnir, feito a partir de sua tese de doutorado, intitulado “Cães de Guarda – Jornalistas e Censores do AI-5 à Constituição de 1988” (Editora Boitempo).

Sobre a autora, vale relatar que é mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretora do Arquivo Geral do Rio de Janeiro, que possui um dos maiores acervos sobre o regime militar. Sua tese foi apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O livro relata que jornalistas de formação passaram a integrar o Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP) e trata dos policiais que atuaram como jornalistas sob anuência inclusive dos donos do Estadão.

Segundo a autora, os donos de jornais como Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo e outros “acatavam” os bilhetinhos da repressão sobre o que se podia e o que não se podia publicar.

Os jornalistas colaboracionistas que gente como os Mesquita instalaram nas redações ganharam até apelido, ficando conhecidos como “gansos”.

O ponto alto do livro é o que trata do jornal Folha da Tarde (FT), do Grupo Folha, de Octavio Frias. Foi o jornal que prestou os maiores serviços à repressão. Era chamado pelos jornalistas independentes de “delegacia” ou “orgão oficial da OBAN”.

Contudo, o livro de Kushnir aborda, também, a postura de muitos outros veículos naquele período. Relata que todos os grandes órgãos de imprensa transmitiam a versão do Estado na luta contra a guerrilha, ocultando a tortura, os assassinatos, os desaparecimentos e as mortes dos oposicionistas.

Além do grupo Folha, foco do livro, patrocinaram e sustentaram o golpe também os Diários Associados, de Assis Chauteaubriand; o Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, da família Mesquita; a Rádio Eldorado; a TV Record; a TV Paulista; o Jornal do Brasil; o Correio do Povo; a Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda; o Noticias Populares, de Hebert Levy; e as Organizações Globo, de Roberto Marinho.

“Cães de Guarda” relata, por exemplo, a posição do escritor Frei Betto sobre o comportamento do Estadão naquele período. Ele criticou as notícias de culinária no lugar das matérias censuradas no Jornal da Tarde e no Estado de São Paulo.

Para Frei Betto, as receitas culinárias “Atenuavam a cumplicidade do Estadão com a mentira oficial publicando, nos espaços censurados, receita de bolos ou poemas de Camões”, mas, segundo o escritor, “Os acólitos do regime adaptavam-se, substituíam o noticiário cortado, antecipavam-se à tesoura do censor”.

A morte de Mesquita, como já foi dito, é lamentável como a de qualquer ser humano. Mas que não venham agora veículos como a Globo, que lamberam as botas da ditadura e a ajudaram a matar e a torturar inocentes, tentar apagar os crimes que esses barões da mídia cometeram naqueles anos de chumbo. Não vamos esquecer.

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http://www.brasil247.com/

ESTADO É PRIMEIRO GRUPO DE MÍDIA A PROPOR GOLPE

Jornal Estado de S. Paulo, da família Mesquita, pede, em editorial, que a presidente Dilma Rousseff seja enquadrada pelo Congresso Nacional por crime de responsabilidade e cassada num processo de impeachment; "Dilma Rousseff de tudo participou como ministra de Minas e Energia e da Casa Civil e, depois, como presidente da República"; um dos herdeiros do grupo, Fernão Lara Mesquita, recentemente foi às ruas com um cartaz onde se lia "Foda-se a Venezuela"; no sábado, em nota, o PSDB sugeriu punição à presidente Dilma; começa a campanha pela derrubada de uma presidente reeleita há menos de um mês no Brasil

16 DE NOVEMBRO DE 2014

247 - A imprensa conservadora brasileira começa a fazer jus ao apelido que ganhou nos últimos anos, o de PIG, Partido da Imprensa Golpista.

Neste domingo, o jornal Estado de S. Paulo, da família Mesquita, prega abertamente a cassação da presidente Dilma Rousseff, no editorial "Crime de responsabilidade", cujo título já é autoexplicativo.

Eis um trecho:

"Somente alguém extremamente ingênuo, coisa que Lula definitivamente não é, poderia ignorar de boa fé o que se passava sob suas barbas. Já Dilma Rousseff de tudo participou, como ministra de Minas e Energia e da Casa Civil e, depois, como presidente da República.

Devem, todos os envolvidos no escândalo, pagar pelo que fizeram – ou não fizeram."

A mensagem é clara: a família Mesquita aderiu ao golpe e irá trabalhar pela queda de uma presidente reeleita há menos de um mês.

Recentemente, um dos herdeiros do grupo conservador, Fernão Lara Mesquita, foi às ruas com um cartaz onde se lia: "Foda-se a Venezuela". Para os Mesquita, o Brasil também seria "bolivariano".

Ontem, em nota, o senador Aécio Neves sugeriu, nas entrelinhas, que o PSDB irá trabalhar pelo impeachment da presidente Dilma (leia aqui).


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Delegados acusam Estadão de receber por matéria sobre PF aecista. E o Estadão, vai calar?


dpf
Marcelo Auler publica, em seu blog, documentos em que dois delegados da Polícia Federal dizem que o jornal O Estado de S. Paulo recebeu  para publicar a reportagem sobre os alguns de seus colegas são mostrados em desabrida campanha pró-Aécio Neves nas eleições de 2014.
Em palavras mais clara: acusa o jornal de ter sido subornado para divulgar o comportamento partidarizado dos delegados, o que, não é preciso explicar, seria gravíssimo, se não fosse absolutamente improvável. Os delegados da Lava Jato Igor Romário de Paula e  Marcio Adriano Anselmo dizem – e assinam embaixo –  que o advogados Augusto Botelho, da Odebrecht, Marden Maués, de Nelma Penasso e outro delegado federal, Paulo Roberto Herrera teriam pago, através do primeiro, ao Estado de S. Paulo pela publicação da reportagem de Julia Duailibi em que se mostra a troca de mensagens hostil a Lula e a Dilma Rousseff e que o mentor do suborno seria o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, já falecido.
A história completa está no blog do Auler, mas reproduzo, pela gravidade de acusação, um dos documentos exibidos por ele, o assinado pelo delegado Igor Romário de Paula.
É inacreditável que o Estadão saiba desta acusação e muito menos que a aceite, silencioso.
O jornal, que é destino privilegiado de tantos vazamentos da Polícia Federal está sendo acusado de ser subornável e não pode aceitar isso silente, sob pena de desmoralizar seus profissionais e desmoralizar-se perante seus leitores, que podem supor, então, que o jornal aceita pagamento pela publicação de matéria jornalística.
Se, agora que as acusações são conhecidas e documentadas, continuar mudo, estará aceitando o que dizem.
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http://cartamaior.com.br/

Desinformação e soberba do Estadão

Editorial do Estadão fez uma apologia à barbárie, ao trabalho em condições análogas à de escravo e à supressão da cidadania.

Jorge Luiz Souto Maior



Em editorial publicado no dia 28 de janeiro, o jornal O Estado de São Paulo, Estadão, sem nenhum compromisso com a realidade ou de demonstrar um mínimo de respeito às instituições democráticas, chama o Ministério Público do Trabalho de “ideológico” por ter se manifestado contra a reforma trabalhista pretendida pelo governo federal, inquinando-a de inconstitucional.
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A manifestação do Ministério Público do Trabalho foi juridicamente embasada na defesa da Constituição Federal, apoiando-se, ainda, no teor de Tratados internacionais de Direitos Humanos. Só que o Estadão sugere que a defesa da Constituição não seria uma função institucional do Ministério Público do Trabalho, como se essa não fosse uma função de todo e qualquer cidadão brasileiro. É que para o referido jornal, talvez raciocinando na lógica de que os fins (nem sempre revelados) justificam os meios, a Constituição Federal é um mero detalhe que não deve ser levado em consideração quando se tratar de atender aos interesses do setor econômico. E como nessa lógica deixa de ser necessário discutir os termos da Constituição, basta dizer, então, que quem faz menção à existência da Constituição é “ideológico”, fazendo supor que quem despreza a Constituição é “moderno” ou “antenado” com os “novos tempos”, quando se trata, em verdade, de uma atitude transgressora e ditatorial.

Conforme sugere o editorial, as propostas de alteração da legislação do trabalho não podem sequer ser questionadas. A sociedade, que já engoliu o golpe de 2016, deve, agora, suportar o efeito maior pretendido por aqueles que tomaram de assalto o poder, que é fazer a legislação trabalhista atingir o patamar da legitimação da exploração do trabalho em condições análogas à de escravo, do trabalho sem limitação da jornada, sem férias, sem garantias de emprego, sem períodos de descanso etc.

Desinformado e desinformando, o Estadão diz que a visão do Ministério Público do Trabalho é “peculiar”, quando, de fato, reflete a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência trabalhistas, como o próprio jornal, diligente na defesa dos interesses do capital, por diversas já reclamou. Não é de hoje, aliás, que o Estadão combate os direitos dos trabalhadores e a Justiça do Trabalho. Conforme acentuam Alberto Aggio, Agnaldo Barbosa e Hercídia Coelho, o jornal, desde quando se identificou como “órgão de imprensa que foi inquebrantável bastião dos liberais paulistas por várias décadas e ferrenho crítico de Getúlio Vargas”[ii], tem se manifestado abertamente contra os direitos dos trabalhadores e a favor dos patrões.

No editorial do último dia 28, sem qualquer embasamento teórico ou fático, sustenta-se que a resistência à derrocada de direitos trabalhistas “aprisiona o ordenamento jurídico a uma determinada época, impedindo que o Direito cumpra sua função de regular adequadamente as relações sociais no tempo presente”.

A qual época se refere, afinal? Ora, o ordenamento jurídico trabalhista está, todo ele, fincado na Constituição de 1988, que não deixa dúvida quanto ao propósito da legislação trabalhista de buscar a melhoria da condição social dos trabalhadores, estabelecendo, inclusive, os parâmetros jurídicos para isso: valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV); função social da propriedade (art. 5º, XXIII); direitos trabalhistas como direitos fundamentais (arts. 7º, 8º e 9º); atrelamento da economia aos ditames da justiça social (art. 170).

Além disso, o que seria regular “adequadamente no tempo presente”? A afirmação é tão desprovida de suporte fático e teórico que fica difícil até estabelecer um diálogo com algum sentido racional.

Segundo o editorial: “Trata-se de um equívoco partir do pressuposto de que todo trabalhador é vítima indefesa do capital e, portanto, seus direitos necessitariam de uma forte intervenção do Estado. Tal raciocínio – amplamente difundido na Justiça do Trabalho – não é jurídico.”

Sobre isso, primeiro, não se pode deixar de destacar que é realmente muito esdrúxulo ver um jornal querendo ensinar Direito do Trabalho para o Ministério Público do Trabalho. De fato, o Estadão perdeu uma boa oportunidade para deixar de demonstrar todo o seu desconhecimento, que põe em dúvida a credibilidade das demais opiniões que expressa ou das próprias notícias que veicula.

O Direito do Trabalho, no mundo inteiro (onde foi institucionalizado), é baseado no princípio de que o trabalho humano não é mera mercadoria de comércio, conforme consignado no Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra mundial. Este Tratado, que traz a Constituição da OIT – Organização Internacional do Trabalho, também considerou que foram as contingências sociais e as más condições de trabalho que puseram em risco a paz mundial. Houve, assim, o reconhecimento de que a livre concorrência e a não intervenção do Estado nas relações de trabalho geraram – e sempre vão gerar – exploração ilimitada dos trabalhadores, dado que os trabalhadores, que não detêm os meios de produção e dependem da venda de sua força de trabalho para sobreviver, mesmo atuando coletivamente, não têm como impor limites ao capital, sendo que essa situação de submissão se reforça em países de capitalismo dependente.

A exploração exacerbada, sem limites, da força de trabalho, que impede, inclusive, uma distribuição mínima da riqueza produzida, deixa de ser um problema apenas para os trabalhadores, constituindo um fator de desajuste fatal para o próprio modelo capitalista.

Desse modo, os direitos sociais, e, em especial, os direitos trabalhistas, não protegem os “tadinhos” dos trabalhadores. Tentam, isto sim, conferir alguma viabilidade mínima para o capitalismo. Tudo isso é história!

Então, o que o Estadão propõe é um revisionismo histórico que, se levado a fundo, na realidade brasileira, faz parecer que o fim da escravidão foi o que fez desandar a economia nacional. O que defende, fora de qualquer projeto, é apenas a instauração da barbárie.

Lendo o editorial, a gente tem a impressão de que o jornal não está no mesmo mundo em que mais de três milhões de reclamações trabalhistas chegaram, em um único ano, à Justiça do Trabalho[iii], sendo que, ao contrário do que se tenta retoricamente construir, o que essas reclamações refletem é, precisamente, o elevadíssimo grau de desrespeito aos direitos dos trabalhadores na sociedade brasileira, a qual ainda se vê impulsionada, infelizmente, por sentimentos de que salário mínimo para a empregada doméstica é um furto contra o “patrão”; que acha que é possível desrespeitar a Constituição Federal e ainda ser detentor de “segurança jurídica”, sendo certo que são exatamente editoriais como este em comento que retroalimentam essas visões deturpadas de mundo.

Olhando, exclusivamente, para as relações de trabalho no Brasil, quem, por exemplo, já não ouviu falar em: salário “por fora”; cartões de ponto fraudados; horas extras não pagas; trabalhador transformado em PJ; ausência de recolhimentos de FGTS; supressão do intervalo para refeição e descanso; trabalho sem registro etc?

Concretamente, o número das reclamações que chegam à Justiça do Trabalho é infinitamente menor do que as práticas, quase sempre reiteradas, de desrespeito aos direitos trabalhistas.

%u20BMas as ofensas à inteligência alheia promovidas pelo editorial do Estadão não parecem ser suficientes e o jornal desemboca para a ofensa explícita, acusando a Justiça do Trabalho de estimular a “indústria de reclamações trabalhistas”, como se juízes e advogados trabalhistas atuassem mancomunados para prejudicar os empregadores. Caberia ao jornal esclarecer o que seria “indústria da reclamação trabalhista” em um país cuja realidade das relações de trabalho é a da extrema precariedade de direitos, o que, inclusive, favorece ao processo de acumulação de riquezas que se dá no Brasil da forma mais intensa e perversa do que na maioria das regiões do mundo[iv]. Uma realidade em que sobressaem elevados e indecorosos índices de: exploração dos trabalhadores em condições análogas à de escravo[v]; exploração do trabalho infantil[vi], acidentes do trabalho[vii], extensas jornadas de trabalho[viii] (muitas vezes praticadas inclusive sem remuneração), sobretudo no trabalho terceirizado de limpeza, conservação e vigilância, e sem falar, é claro, da precariedade jurídica do trabalho doméstico.


Dentro desse contexto de desconsideração generalizada dos direitos trabalhistas, constitucionalmente assegurados, as reclamações não precisam ser inventadas e não cabe, de forma alguma, tomar os trabalhadores e a Justiça do Trabalho como vilões.


O que o editorial tenta fazer não é apenas uma inversão de valores, é uma apologia à barbárie, ao trabalho em condições análogas à de escravo, à supressão da cidadania e ao abandono do Estado Democrático de Direito, pretendendo, ainda, colocar uma mordaça em todos que resistam a esse estado de coisas.


Para o Estadão, os problemas dos desajustes do modelo de produção estão simplesmente fora de qualquer análise, pois, na avaliação do jornal, que se arvora no poder de julgar, os culpados de tudo são os próprios trabalhadores, que exigem seus direitos, e a Justiça do Trabalho, que insiste em fazer aplicar esses direitos.


E o pior é que a Justiça do Trabalho sequer merece esse autêntico elogio feito pelo Estadão, de ser uma instituição que atua, com toda a potencialidade jurídica, em defesa da efetividade das normas constitucionais trabalhistas, eis que há muito (e, em certa medida, também o Ministério Público do Trabalho) vem cedendo aos reclamos do capital, no sentido de conferir flexibilização às leis trabalhistas, sob a suposição de que isto aumentaria a competitividade das empresas e o nível do emprego, mas que tem gerado, de fato, maior sofrimento aos trabalhadores e pioras na economia.


Assim, de certo modo, bem que se poderia atender a demanda do Estadão, de que se deve alterar o modo como a legislação trabalhista tem sido aplicada, para que se pudesse, enfim, superar a jurisprudência trabalhista que, para proteger de forma ideológica e não jurídica o capital, tem insistido em: “a) validar a terceirização na atividade-meio, com fixação de uma responsabilidade apenas subsidiária da tomadora dos serviços; b) não reconhecer o princípio da sucumbência no processo do trabalho; c) acolher o regime de 12x36; d) declarar a constitucionalidade do banco de horas, fazendo letra morta da norma constitucional que estabeleceu o limite de 44 horas semanais; e) conceber a regularidade das horas extras ordinariamente prestadas e que ultrapassam, inclusive, o limite de duas horas ao dia; f) permitir a terceirização no setor público; g) acatar a tese da responsabilidade subjetiva pelos acidentes do trabalho, acolhendo, tantas vezes, o argumento da culpa exclusiva da vítima; h) afastar a configuração do acidente do trabalho com base no pressuposto da necessidade da prova do nexo causal, não reconhecendo as presunções do Nexo Técnico Epidemiológico e fazendo sobressair os caracteres degenerativos; i) não considerar acumuláveis adicionais de insalubridade mesmo quando presentes distintos agentes nocivos à saúde no ambiente do trabalho; j) adotar o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade apesar da proibição constitucional e da referência expressa da Constituição a ‘adicional de remuneração’; k) não deferir a acumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade; l) fixar valores quase sempre muito baixos para as indenizações por acidentes do trabalho e por danos morais e materiais, irrisórios se comparados, por exemplo, às reparações que se vêm concedendo por perdas de bagagens por companhias aéreas; m) homologar acordos sem respeito ao caráter imperativo da legislação do trabalho, legitimando autênticas renúncias a direitos; n) consignar nos acordos cláusula com quitação do extinto contrato de trabalho, promovendo vedação do acesso à justiça; o) pronunciar, sistematicamente, a prescrição quinquenal com base em interpretação extremamente restritiva da norma constitucional; p) rejeitar a eficácia da norma constitucional que garante aos trabalhadores a relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária; q) negar a teoria da subordinação estrutural e reticular para efeito do reconhecimento do vínculo empregatício; r) recusar a aplicação dos preceitos legais pertinentes ao dano social, cuja função é punir de forma adequada a prática das agressões reincidentes e deliberadas da legislação trabalhistas, eliminando a vantagem econômica do agressor; s) não garantir às trabalhadoras domésticas a integralidade de direitos; t) impor limitações inconstitucionais e ilegais ao exercício do direito de greve etc.”[ix]


O fato é que ainda estamos muito distantes do tempo em que a crítica do Estadão pudesse ter algum sentido ao menos de correspondência com a realidade.


Assim, por falta de uma interlocução minimamente séria resta interditado o debate, ficando apenas a certeza em torno da soberba que assola os detentores de algum tipo de domínio econômico e que os faz acreditar que podem tudo, e isso, de certo modo, acaba se constituindo a prova de que a imposição jurídica de limites ao poder do capital é mesmo necessária.


São Paulo, 30 de janeiro de 2017.

. Vide, a propósito, o texto: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/aos-agressores-dos-direitos-trabalhistas-ha-juizas-e-juizes-do-trabalho-no-brasil
[ii]. AGGIO, Alberto; BARBOSA, Agnaldo; COELHO, Hercídia. Política e sociedade no Brasil (1930-1964). São Paulo: Annablume, 2002, pp. 28-29.
[iii]. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-2016-brasil-ganha-3-milhoes-de-acoes-trabalhistas,10000096536
[iv]. http://oglobo.globo.com/economia/brasil-tem-segunda-pior-distribuicao-de-renda-em-ranking-da-ocde-7887116, acesso em 19/06/16.
[v]. http://reporterbrasil.org.br/2016/02/nova-lista-de-transparencia-traz-340-nomes-flagrados-por-trabalho-escravo/, acesso em 18/06/16.
[vi]. http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/11/em-2014-havia-554-mil-criancas-de-5-13-anos-trabalhando-aponta-ibge.html, acesso em 18/06/16.
[vii]. http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/brasil-e-quarto-do-mundo-em-acidentes-de-trabalho-alertam-juizes, acesso em 18/06/16.
[viii]. Brasileiro é campeão em horas extras: http://www.e-konomista.com.br/n/horas-extras-no-trabalho/, acesso em 18/06/16.
[ix]. http://www.jorgesoutomaior.com/blog/aos-agressores-dos-direitos-trabalhistas-ha-juizas-e-juizes-do-trabalho-no-brasil

Créditos da foto: EBC

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